- Cara, eu tô te dizendo. O Volkswagen Virtus é um carro
pobre
-Não é não” - Disse o outro jovem, sentado ao banco de
passageiro do Porsche Cayman 2019 dirigido pelo amigo de infância. - “É um
carro razoável, consegui um bom preço, é um carro que vai cumprir com as
tarefas que eu preciso na empresa, e que tem seu diferencial pro público. Você
sabe que a volks é dona da Audi, da Man e até da porsche, né? É praticamente a
mesma merda. Ele é bonito e o público gosta disso”.
-Mesmo assim, cara. Ele é um carro que não tem o que os
carros de luxo devem ter, mas é vendido como se fosse luxuoso. É praticamente
um cospobre do audi A3. E se fosse assim, a Fiat também tem a Chrysler. Porque
você não comprou um monte de uno 2012 pra sua frota?”
-Não cara, é totalmente diferente. Sabe quem mais comprou
Virtus? A Raquel. Aquela menina que o rogério gosta”
-Ele ainda gosta dela? É gado demais. Não vai me dizer que
existe Volks Virtus Rosa.”
-Não existe, mas ela mandou pintar, Sabia que a mãe da
Raquel obriga ela vender mary kay? A mãe diz que isso vai ensinar a filha ser
responsável, comprou um virtus, pintou de rosa, colocou cílios no farol e
adesivo da mary kay. Por isso que sempre que o rogério chama ela pra sair, é
pra ir no carro dele”
-Raquel não é o tipo de mulher pra andar em virtus nem em
nissan kicks, Quer saber? O Nissan kicks é um carro de filho da puta. Todo mundo
que tem é filho da puta, digo pelos meus vizinhos. Aquele que bateu no meu
porsche tem um kicks, o médico metido tem kicks, até a dona Ana tem kicks,
ganhou do filho dela.
- Tá, mas continua falando da raquel.
- Ela é mulher de andar em porsche. Eu adoraria colocar ela
aí no seu lugar, fazer ela chupar meu pau o caminho inteiro. O rogério não
merece uma mulher daquelas.
Nesse momento, João roberto, o dono do porsche cayman 2019
que foi um presente de aniversário dado pelo pai, pisou no acelerador até a
metade e trocou de marcha. Do lado de fora só se podia ouvir o ronco do motor
de tração traseira. Dentro do carro, o choro do motor parecia mais um gemido,
predominava o rap “Thrift Shop” do Macklemore e Ryan lewis.
- Mas assim, acho escroto vocês dizer isso. Ele te
considera um amigo, sabia?
-Cara, agora eu tenho um porsche. Pau no cu do Rogério e da Raquel.
-Você não acha que esse negócio de carro tá te subindo à
cabeça não, joão roberto?
A frase irriitou o motorista João Roberto, que pisou o pé
até o fundo no acelerador. João trocava de marcha com uma rapidez incrível. Ele
ainda subiu o volume da música.
-Voc~e ainda gosta da Raquel? João Roberto.
-Eu? nunca. ela já está suja pelo bosta do Rogério.
O Porsche roncava, a 140 km/h na estrada.
-Não minta, robertinho. Sua voz não me engana. Você morre
de ciúmes do Rogério. Ei! Freia esse carro. Você vai levar multa.
No sentido oposto da via, um caminhão, volkswagem 9150.
-O que a Raquel disse pra você?
-Que preferia o Rogério falido do que você. Que sua
arrogância a enoja.
-Quando ela disse isso?
-Bom, eu preciso te contar que almocei lá, semana passada.
O passageiro não podia ver a lágrima que escorria pelo
rosto de João roberto. Abriu as janelas do carro. O Barulho do vento á 160 km/h
era irritante. Não importa.
João roberto sabia que havia sido traído, que tinha sido
quase namorado de Raquel, mas um comentário fora de hora a fizera considerá-lo
um infantil sem coração. No mesmo dia em que terminou com ele, a garota
procurou por Rogério, agora um ex-amigo.
Sentado ao banco de passageiro do porsche, um
intermediário, que não merecia a vida de fofoqueiro e denunciador.
João roberto girou o volante, e enfiou o porsche debaixo do
volkswagem 9150 vermelho
-Freia esse carro, João Roberto. - O passageiro tentou
puxar o freio de mão, que apenas fez um alto estalo antes de todo o carro se
enfiar pelo caminhão.
“Volks beijando outro Volks” Foi o último pensamento do
passageiro
“Corno filho da puta, vai morer comigo”. Foi o último
pensamento do motorista.
x
4/23/2019
cayman
8/19/2018
Dani
-Filho,
é uma festa de adultos.
Daniel
sabe que não é a primeira vez que os pais precisam passar uma noite
fora, “porque é importante”. O problema de verdade é que dessa
vez Dani, como a mãe prefere chamar, não terá o irmão mais velho
cuidando dele.
“É
importante, envolve o emprego do papai” - disse a mãe de Daniel. -
“E vai ser tão chato, não vai ter ninguém da sua idade”.
Mas
Léo, o irmão de Dani, ele sim era grande o suficiente para ir á
festa. Quatro anos mais velho e com síndrome de Down, Léo é dotado
de um carisma inocente que encanta os corações mais sensíveis e
amedronta os corações mais rígidos.
O
que Dani ainda não entendia, é que a presença do irmão na festa
chamaria todas as atenções (e toda a pena) para o pai dos garotos,
que assim garantia uma promoção seguida de aumento de salário.
Mas
Daniel só conseguia entender tudo isso como uma situação muito
confusa. De um lado, era velho o suficiente para ficar sozinho em
casa, pela primeira vez por uma noite inteira. De outro lado, os pais
achavam que ele ainda era só uma criança birrenta e que em uma
festa só traria aborrecimentos. Na cabeça de Dani, os ciúmes do
irmão se misturavam com a sensação de pequenez e impotência.
Estava zangado com os pais mas não queria passar tantas horas sem
saber deles.
“Nunca
imaginei que um filho com Down daria menos trabalho que um Daniel”
A
frase dita pelo pai, ecoava na mente de Dani esses últimos dias, até
que a família entrou em um carro Volkswagen e foi embora para a
festa.
De
qualquer modo, Dani precisava se distrair por uma noite inteira.
Não
demorou para surgir uma ideia de como ocupar o tempo.
-Coisas
de Adulto. Porque eu sou sim grandinho o suficiente.
Mas
o que adultos fazem?
Daniel
já tinha assistido pornografia antes. Não seria nada de muito novo,
mas o garoto decidiu experimentar mesmo assim.
“Garota
nua ensaio sensual de nudes”
A
pesquisa durou um minuto e meio, o tempo que o garoto levou para ter
um orgasmo mecânico enquanto massageava a cabeça do penis,
repetindo “vai safada, gostosa”, porque a adrenalina de falar
essas palavras em voz alta o animou muito.
Com
gotinhas de esperma escorrendo pelo shorts, Daniel foi para a
cozinha. Poderia fritar um ovo, mas isso também não era novidade.
Há anos a mãe o ensinara a fritar ovos. Além do mais, era o dia de
fazer coisas de adulto.
O
garoto preparou um prato com saladas e grãos, porque era comida de
adulto. Com duas colheradas o garoto se convenceu de que estava
satisfeito e jogou toda a comida no lixo. Sentiu sede.
Queria
beber algo que só os adultos bebessem, e não teve dúvidas. Na sala
de estar, em um armário alto, o pai de Daniel e Léo guardava
garrafas de elixires proibidos para crianças. Vodca Smirnoff, uísque
Scotch, vinho vermelho. No entando, o que o garoto queria mesmo
estava na porta mais baixa do armário. Se bebesse qualquer coisa na
estante de cima, o pai sentiria falta no outro dia. Mas atrás da
porta de madeira haviam garrafas e garrafas das bebidas mais baratas.
Aguardente e vodca, algumas garrafas já pela metade, outras
fechadas. Ali era possível se deleitar sem ninguém perceber.
Daniel
escolheu uma vodca, porque a bebida parecia água, “então deve ser
mais fraca”, e o rótulo era azul, cor favorita do menino.
Sentado
no sofá, Dani abriu a garrafa e sentiu o cheiro do alcool. Reagiu
com náusea, mas a careta logo deu lugar á expressão de
curiosidade. O primeiro gole, que na verdade foi um gole bem grandão.
O alcool evaporado saia pelas narinas ao mesmo tempo em que tudo
queimava no sistema digestivo de Dani.
“É
muito ruim, mas só um gole deve ser pouco”
Outro
volumoso gole se sucedeu. O terceiro, para a surpresa de Dani, não
trouxe desconforto nenhum. Fechou a garrafa e a colocou de volta no
lugar.
Imediatamente
o garoto passou a se sentir fora de si. Não sabia se podia ser tão
rápido, talvez fosse a Adrenalina ou algum efeito psicológico. Mas
Dani sentiu algo que nunca tinha sentido antes, e isso era demais.
Começou a ficar tonto, mas não percebeu bem.
“Hahaha.
Eu sou demais. Garota nua nudes”
Após
um breve cochilo, Daniel acordou no chão da sala. Já eram dez da
noite. Devagar se lembrou de ter comido salada e bebido vodca. Era
gostoso. Sentiu vontade de beber mais. Dessa vez optou por cachaça.
Achou ela pior que a vodca, mas com algo de doce no final.
“eu
me lembro que o professor disse que o Léo tinha idade mental de
metade da idade que ele tem” -o garoto procurou por um bloco de
anotações -”dezesseis dividido por dois”.
O
garoto não percebia sua caligrafia tremida, escrevia e raciocinava
com facilidade, porém com lentidão.
“A
idade mental dele é de oito anos. Então mesmo ele sendo quatro anos
mais velho na idade eu sou quatro anos mais velho da cabeça. Eu
deveria estar naquela festa”
“Eu
sou um ninja”. O garoto gargalhava escondido atrás da árvore,
enquanto assistia o vizinho chegar do trabalho. “Dar um susto vai
ser divertido, ele nem vai me ver”.
De
trás da árvore, Daniel arremessou um ovo em direção ao vizinho, e
se escondeu.
Ainda
zonzo pelo alcool, o ovo se espatifou na lixeira pŕoxima ao vizinho.
O
que Daniel não sabia é que o vizinho, irritado, ouvira suas
gargalhadas, viu o arremesso do ovo e viu o garoto correndo para
dentro de casa.
Na
consciẽncia de Daniel tudo tinha acontecido furtivamente e o
vizinho super confuso tentava descobrir o que aconteceu. “Está
chovendo ovos, ahahahhaha”
cinco
minutos se passaram, e não havia sinal de nenhuma alma viva em toda
a rua. O menino bêbado se aproximou da casa do vizinho, espiou pelas
frestas do portão, procurando pela localização das janelas.
Com
um forte estalo, outro ovo espatifa no vidro da janela. Daniel começa
a correr em direção á sua casa. O portão da casa do vizinho se
abre. Daniel tropeça no meio fio e bate o queixo no chão.
Um
monstro que anda usando pernas e braços, como um gorila raivoso,
veio em direção á Daniel. A última lembrança do garoto é a de
ser puxado pelo asfalto, segurado pelos pés. Daniel se lembra de
dentes afiados, grunhidos e uma baforada quente em seu rosto.
6/14/2018
Na infãncia, a mãe lhe disse que “Bonecas são coisas de menina”.
E assim Roberto cresceu acreditando que não deveria ter bonecas. (E
isso não é uma história LGBT).Ainda, o fascínio não saia da
beça. A boneca que canta e dança que a prima lhe mostrava, a boneca
chorona que a colega e escola exibia no “dia do brinquedo”.
Roberto queria ter sua pŕopria boneca.
Durante o dia, Roberto jogava Bola. Pela noite, usava seu celular
para pesquisar sobre a história das Barbies e maquiagem.
Enquanto os fracos transformam frustrações em desculpas, Roberto
transformava em motivação. Faria Bonecas um dia.
-O que um olho disse pro outro depois de uma piada sem graça? - Rí
mel. Ri,meu. Entendeu?
Nenhum dos outros garotos sabiam o que é um rímel, mas jussara, “a
menina do rolẽ”, dera gargalhadas com o trocadilho. Assim foi que
roberto ganhou sua primeira boneca.
Já aos 22 anos, Jussara e Roberto estavam noivos. No mesmo dia em
que decidiram marcar o casamento, Jussara virou uma bola boneca.
Roberto a levou para um motel na beira da estrada, e saiu de lá em
seu Fiat, com jussara deitada no banco de trás. Em casa, colocou a
garota na cama e começou a despi-la. Para conservar, pensou em usar
formol. Mas a plicação, cheiro e preço eram inviáveis.
Roberto passou com todo o cuidado do mundo, camadas finas de uma
mistura de cimento e gesso por cima do corpo de jussara. Por fora,
uma bela estátua, que mais tarde recebeu um vestido de noiva. Por
dentro, dentes rangendo em um último espasmo de vida.
Roberto conquistou Daiane, que também virou uma estátua, com um
vestido vermelho.
Renata ganhou uma camiseta e um boné.
Mas em Marisa, Roberto não quis usar cimento. Tomou vergonha na cara
e usou tudo o que aprendeu no tutorial de taxidermia. A Vagina de
Marisa deveria ser conservada.
5/12/2018
O último Banquete de Jorge
O miserável agradeceu a marmita:
-Muito Obrigado dona Lourdes. Se precisar de algum trabalho
de casa como carregar caixas ou cortar a grama, eu faço na maior boa vontade
para a senhora.
-Não há de quê, filho. Já estive em situação parecida com a
sua. É bem ruim precisar pedir por coisas tão básicas como comida.
Jorge, o miserável, andou por meia hora até o parque, onde entrou
no banheiro público e cagou.
Terminado o serviço, usou
a pia. Enquanto jogava água na cara para umedecer a barba e se refrescar,
pensava na situação anterior.
“Dona Lourdes já foi uma miserável”
“isso explica aquelas cicatrizes no rosto, não?”, ”marcas de
um estupro, algo assim”
“E ela tem toda aquela comida guardada, só para ela”
“Quantas pessoas se satisfariam com aquilo tudo?”
No Boca-a-boca a palavra se espalhou: Um banquete gratuito
no sábado, na esquina do parque Água Azul.
Uma mesa enorme, tirada da casa de Dona Lourdes, estava
estendida com toalha e comida, desde a madrugada. Às seis da manhã começaram a
chegar os primeiros pratos. Cuscuz, arroz, ovos e enlatados em um pote volumoso. Os miseráveis se serviam.
Sobrou comida para os que chegaram ás 9 e comeram coisa
fria.
Dois homens gordos e barbudos chegaram em um sedã e colocaram pães
(amanhecidos) na mesa, junto com a propaganda de uma padaria local.
3/09/2018
Ataíde
-Ou. P...p...para onde vai esse
ônibus?
-Esse aqui vai lá pro terminal
Nova Bahia
-Vixi. Não sei não, acho que
peguei o ônibus errado. O que é isso que você está lendo?
-Edgar Allan poe. conhece?
-Não conheço não. Essas letrinhas
aí eu nem enxergo. Minha ex mulher que lia, um livro desses daí ela lia num
supetão. Meus filho lia também. Mas
eu não falo com eles faz tempo. Canto
tempo você leva pra ler um livro desses?
-Eu vou lendo devagarinho, um
pouco por dia. Não para pra contar não
-Hã?
-Leio um pouco por dia, nunca
contei.
-Ah... Eu nem sei pra onde esse
ônibus vai.
-Pra onde você quer ir?
-O quê? Ih rapá, pra onde eu quero
ir? Eu queria minha mãe me abraçando.
-Ah.
-Vou lá pra casa da minha mãe mas
esse ônibus tá indo pro lugar errado. Leia aí. pode ler
...
1/25/2018
Homem de Ferro
-A
partir de agora você vai sozinho – Disse a mãe com o coração apertado. –
Preciso Voltar ao trabalho.
-Mas
mãe, esse...
-Não.
Você está grandinho demais para isso. Você consegue chegar em casa sozinho. Só
pegue o ônibus vinte e seis e desça na rua atrás da rua de casa.
A mãe
diz isso contra a própria vontade. O que ela realmente quer é levar o filho
para a casa segurando-o pela mão, deixa-lo no quarto assistindo á televisão e
colocar um cadeado no portão quando voltar para o trabalho. Mas ela também sabe
que não dá tempo, se fizer isso, chegará atrasada e será demitida. Além do
mais ela sabe que o filho Cauã agora é um homem crescido e apesar de todas as
deficiências mentais, ela pode morrer a qualquer momento e quando isso
acontecer o filho tem que saber se virar sozinho.
Quando
ela beija a testa do filho e dá as costas, sabe que não pode olhar pra trás.
Ele vai esperar que ela suma, virando a esquina e só então vai voltar para
casa.
“Se eu
olhar para trás, vou querer voltar. Na verdade, se eu olhar para trás eu vou
voltar”
Cauã
tira do bolso um boneco do homem de ferro com uns quinze centímetros de altura.
Ele aperta com força a cabeça do boneco e quanto mais longe a mãe está mais
forte ele aperta o boneco.
Quando a
mãe some do campo de visão, ele aperta um botão nas costas do brinquedo.
“Eu sou
o homem de ferro” – Diz a voz robotizada, produzida por alto-falantes de baixa
qualidade. Apesar da baixa qualidade o boneco é bonito.
Enquanto
anda para o ponto de ônibus, Cauã gosta de imaginar que é o homem de ferro e
na verdade está voando para a casa. Ou ainda melhor, está voando para Nova
York.
Enquanto
se aproxima do ponto de ônibus, Cauã diminui o passo. Há um velho de bigode
esperando o ônibus. Cauã não gosta de
ficar sozinho com estranhos. Agora ele anda tão lentamente, que parece um bicho
preguiça obeso. Se continuasse naquela velocidade, suas unhas do pé cresceriam
e chegariam ao ponto de ônibus antes dele.
Finalmente,
o garoto chega ao banco, e despeja seus cento e doze quilos no metal, que
reclama. Cauã só espera que o velho não queira conversar porque se não ele vai
ter que falar, e quando fala, se sente julgado. Principalmente com estranhos.
-Belo
bonequinho, hã!
Cauã não
percebeu que o velho falava do homem de ferro na mão dele.
-Quem é
esse daí? O super socialista? Pelas cores do uniforme deve ser.
Cauã
olha para o homem com o canto do olho.
-É para
um filho? Você tem filhos? Ou pode ser para um sobrinho também. Eu comprava
brinquedos para meus sobrinhos antes dos meus filhos nascerem. Agora todos os
três são homens formados.
-É o
homem de ferro – A voz de Cauã parece um sussurro fino. Ele fala como uma
garotinha gripada.
-Aham.
Acho que é desse dai que meus netos gostam. Você tem filhos?
-Não. O
boneco é meu.
O velho
parece espantado. É hilária e trágica a cena diante de seu bigode. Um jovem,
provavelmente com mais de vinte anos, a barba por fazer, gordo como um elefante
velho e que tem bonequinhos.
-E você
brinca com esse, homem de ferro?
-Ás
vezes. – A voz de Cauã soa cada vez mais leve, abaixando cada vez mais a
cabeça.
-E não
tem vergonha? Um homem do seu tamanho, brincando de bonequinhos. Você devia é
arranjar um emprego. Umas bucetas também.
Cauã
arregala os olhos. As únicas vezes que ouviu aquela palavra, bem, na verdade
ele não se recorda. Mas sabe que são palavrões.
-Eu fiz
minha carteira de trabalho hoje.
-Isso é
bom. No que você vai trabalhar?
-Eu vou
ser o homem de ferro.
O velho
dá uma gargalhada que pareceria contagiosa, se não fosse cruel.
-E eu
vou ser o Robocop – O velho continuou a rir. – Essa foi boa.
-Legal –
Respondeu Cauã. – Mas eu...
O velho
o interrompeu.
-Isso é
uma perdição. Um homem do seu tamanho, tanto em idade quanto em largura -Aqui o
velho abre um sorriso bruto- e querendo
ser uma criança. Se fosse na minha época você já estaria trabalhando em um
canavial. Levado umas boas surras, seria um homem de verdade.
-Mas eu
sou um homem, o homem de ferro.
-Homens
precisam de trabalho, esportes, cerveja e buceta. Carros também, para quem
pode.
O ônibus
26 passa e para o azar de Cauã, o velho também entra nele.
-Sabe,
acho que o grande problema é que os garotos da sua idade tem computadores. Acessam a pornografia o dia
inteiro. Na minha época era preciso gastar dinheiro e tempo para conseguir ver
umas tetinhas. Vocês só vivem de saco vazio, e por isso tem menos testosterona
que as mulheres. Não é á toa que elas estão preferindo os coroas. – E deu uma
risada alta.
Uma
passageira do ônibus parecia incomodada com o monólogo do velho. Cauã está
quieto, e continua assim, porque sabe que ele mesmo as vezes massageia o pipi.
Também sabe que isso é errado, porque a mãe disse para ele não fazer mais isso.
O padre também disse para Cauã não se masturbar.
“Mas é
tão bom”
De
qualquer forma, o garoto não tem muito discernimento sobre suas ações. Não
prestou muita atenção ao que o velho falava sobre sexo e álcool. Algo sobre os
homens que não sabem fazer o reboco da casa serem verdadeiras bichas.
“Talvez
eu seja uma verdadeira bicha. Não sei fazer reboco”
Outra
coisa que Cauã não sabe, é o significado de verdadeiras
bichas.
-Vamos,
fale alguma coisa! O gato comeu sua língua?
-Eu sou
uma verdadeira bicha.
O velho
irritado, olha com pavor, nojo e ódio ao mesmo tempo para o garoto e começa a
falar bem alto:
-Cala a
boca moleque. Você não sabe o que fala. Você é um gordão autista. O que você
merece é levar uma surra, viadinho.
Cauã não
sabe o que é bicha, mas sabe o que é viadinho. Ele já foi chamado de gordo
autista antes e isso machuca bastante o coração engordurado que ele ás vezes
sente em algum lugar no meio de toda a banha.
-Você
vai chorar? O bebezinho está chorando gente. O viadinho chora com um
bonequinho. Você enfia esse bonequinho no cu de vez em quando?
Algumas
lágrimas escorrem pelas bochechas inchadas do garoto. Por sorte, está perto de
casa e vai descer do ônibus.
É uma
pena que o velho o segue.
-Está
bem. Eu estou morrendo e ainda não fiz minha boa ação do dia, preciso muito ir
pro céu, encontrar minha falecida esposa. Vamos, vou te pagar uma cerveja.
-Não.
-Não tenha
medo. Eu pago, ali no bar do Raimundo. Ou você quer continuar sendo um gordo
viadinho?
Cauã não
quer continuar sendo um gordo viadinho. Ele se lembra de um comercial na TV. Um
homem estava triste no escritório. Ele gira na cadeira e surge um bar. Ele pega
uma lata de cerveja e toma um gole. Imediatamente ele fica feliz e surgem
outras pessoas contentes.
Talvez se tomasse uma cerveja, ele seria bem feliz e não mais um gordo viadinho.
No bar,
o garoto tenta se sentar numa cadeira de plástico.
-Não
sente aí -Grita o velho – Você vai quebrar a cadeira. – Vou trazer algo mais
resistente para você.
Humilhado,
o garoto está novamente de cabeça baixa, e novas lágrimas escorrem pelo rosto.
O velho
tenta não dizer nada dessa vez, mas não se aguenta e resmunga “bicha chorona”
enquanto sai. Cauã ouviu e agora está ainda mais triste.
-Aqui
está, te trouxe um banco de metal.
O velho
coloca duas cervejas sobre a mesa.
-Tome.
-Cauã
ainda está travado, mas lentamente cria coragem e segura a garrafa.
“Tem
gosto de xixi” ele pensa. Depois de três goles ele ainda não está feliz como no
comercial. As pessoas em volta dele não parecem felizes. São velhos barrigudos
de braços finos. Alguns gritam no jogo de truco, outros dormem, mas nenhum
parece feliz como no comercial.
Talvez
precisa beber mais um pouco. Ou talvez precisa de uma gravata para que a
cerveja me deixe feliz.
Como não
tem uma gravata, Cauã bebe mais enquanto o velho discursa sobre como em sua
época os homens gostavam de boxe. “Nós brigávamos no bar, só pela diversão. Nós
corríamos de carro e mesmo quando cansado, eu chegava em casa e comia minha
esposa. Ás vezes eu precisava aguentar as duas amantes e ela no mesmo dia, meu
pau quase explodia, e no outro dia eu dizia estar com dor de cabeça. Mas esses
dias eram os melhores.”
-Mas os
homens da sua geração são iguais a você. Gordos, idiotas e só gostam de coisa
de criança.
Cauã,
agora bêbado, volta a chorar. Já foi chamado de idiota antes e sabe que isso é
ruim
-Olhem
para mim eu sou um homem de ferro. – Agora o velho não fala alto, mas grita.
-Aposto
que o seu pinto também não cresceu, como você. Aliás, você ainda enxerga ele? –
E o velho cai na gargalhada.
“O que
Tony Stark faria?”. Cauã não aguenta mais. Não é só tristeza e vontade de sair
correndo para longe dali. Cauã quer o colo da mãe. Mas ela está longe.
E a natureza tem uma regra que rege todos os seres vivos. Se você não pode correr, finja de morto ou ataque.
“Tony
Stark vestiria a armadura e mataria o vilão” "Uma luta, sim, como os homens de antigamente. Não vou mais ser uma bicha chorona. Vou ser o Tony Stark"
Mesmo
que a gordura debilite seus movimentos, Cauã ainda é, pelo menos, quarenta anos
mais jovem que o velho bigodudo que o provocara. Um soco, depois um chute.
Depois Cauã bate com a garrafa na cabeça do velho.
Alguém
grita “OU” lá do fundo do bar, mas Cauã não ouve. O velho também não.
Com
dificuldades para se movimentar, o velho cospe o último dente que sobrou em sua
boca, no meio de uma poça de sangue.
-Seu
viadinho! – É a última frase do homem.
Cauã
ainda está triste e humilhado.
A mãe de
Cauã também vai ficar triste e humilhada quando descobrir o que aconteceu.
Cauã
vai ser muito mais humilhado na cadeia, mas ninguém sabe disso ainda. E o homem
de ferro não virá para salvá-lo.
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