3/09/2018

Ataíde


-Ou. P...p...para onde vai esse ônibus?
-Esse aqui vai lá pro terminal Nova Bahia
-Vixi. Não sei não, acho que peguei o ônibus errado. O que é isso que você está lendo?
-Edgar Allan poe. conhece?
-Não conheço não. Essas letrinhas aí eu nem enxergo. Minha ex mulher que lia, um livro desses daí ela lia num supetão. Meus filho lia também. Mas eu não falo com eles faz tempo. Canto tempo você leva pra ler um livro desses?
-Eu vou lendo devagarinho, um pouco por dia. Não para pra contar não
-Hã?
-Leio um pouco por dia, nunca contei.
-Ah... Eu nem sei pra onde esse ônibus vai.
-Pra onde você quer ir?
-O quê? Ih rapá, pra onde eu quero ir? Eu queria minha mãe me abraçando.
-Ah.
-Vou lá pra casa da minha mãe mas esse ônibus tá indo pro lugar errado. Leia aí. pode ler
...

-Ou, você. Pra onde esse õnibus tá indo?
-Pra onde? Lá pro terminal Nova Bahia.
-Vixi. Não sei não. Eu tô é perdido.Ih rapá, Não sei onde eu tô não.
-Tá perdido é? *gargalhada* Aqui é a avenida Zahran.
-Ah. A avenida. Mas vai pra onde?
-Vai lá pro terminal.
-E lá tem cachaça?
-O senhor curte uma cachaça?
-Eu comecei beber com nove anos. Me corromperam. Meus filhos são tudo maior que ocêis. Tudo do tamanho daquele lá lendo livro. Parece minha ex mulher. Só queria saber de ler livro. E eu, só queria saber de cachaça *gargalhada*.
Eu não vejo meus filhos faz tempo. Dá um realzin aí? pra eu tomar uma jamel.
-Não tenho não. Se fosse pra comprar uma broca eu até dava.
-Você disse droga? sabe, eu não fumo não, não fumo essas coisas ai de droga não, pra minha mãe não ficar triste, mas se você tiver um aí e quiser dar na minha mão, nóis experimenta *gargalhada*
-Não, eu disse Broca. Bro-ca. Comida, lanche, almoço. E você compra pinga com um real?
-Ah, se você quiser me pagar a de dois real também serve.
*O moço que lia o livro se levanta e fica em pé*
-Aí, o senhor ficou se escorando no cara ele ficou puto. Até parou de ler o livro.
-Nem vi. Você é bonito hein.
-Ih, alá, o bebum tá afim do marquinho.
-Cê já tem namorada já? Cantos anos tem?
*Gargalhada*
-Aquela ali não é a mulher da novela? Ei moça, você é muito bonita viu. Isso dai é chapinha que chama? no seu cabelo.
-*Segurando a gargalhada* Obrigada, isso é trança que chama.
-Ela é bonita não é? Parece a mulher da novela.
-Como o senhor chama?
-Eu chamava Ataíde.
-Como assim, chamava?
-Eu chamava Ataíde. Pra onde esse ônibus vai? Deixa eu levantar aqui. Você tem um cigarro? Eu quero um cigarro.
-Não tenho não.
-È assim que fala? Você tem que falar "eu não fumo"
-Eu não fumo não senhor.
-Aham. Que bom. Continua assim. Eu já fumei meus três pulmão. Você acredita que eu tenho três pulmão?
-Ah é?
-A gente que fuma precisa de vocês que não fuma pra doar pulmão pra gente. Acredita que eu tinha três fumão e fumei os três?
-Nossa, Três?
-Fumei os três. Agora queria outro e não tenho. E você não fuma pra me dar um cigarro. Pra onde esse ônibus vai?
-Pro terminal Nova Bahia
-Eu peguei o ônibus errado. Vou ter que esperar.
*O garoto que lia o livro de Allan poe volta*
-Toma aqui um dinheirinho, o senhor vai sentir fome mais tarde.
-Garanti o de hoje. Deixa eu me levantar aqui. Vou sentar ali. oi moça. Você não conversa não?
*balança a cabeça, não*
-Então eu vou conversar com esse menino. Você parece o Fiuk. Você não é filho do Fábio Junior não?
-Não sou não. *gargalhada*
*Gargalhada* - Ih tio, ele parece o Wesley safadão isso sim.
-Ih rapá, que safadão que nada. Esse dai parece o Fiuk. Pra parecer safadão tem que engordar mais um pouco.
*Gargalhada*
-Menino, você parece o Fiuk. Se eu tivesse um celular eu ia abrir um site pra mandar uma foto sua para o Fábio Júnior.
-Para onde vai esse ônibus?
-Esse vai pro Nova Bahia.
-Aquele ali é o shop?
-É sim. O Shopping Campo Grande. O senhor já foi?
-Eu? E eu vou fazer o que em shop? Tenho nada pra comprar lá.
-Eu também, as vezes não tenho dinheiro pra comprar nada, mas é bom ir lá só pra ficar andando.
-Eu já ando muito, o tempo inteiro Não vou andar em Shop. Até enquanto eu durmo minha mente anda, mas não anda em shop. Eu queria é chopp.

Ataíde desceu do ônibus no Terminal. Deitou-se em um banco, e acordou com o guarda o empurrando com a ponta de um cassetete.
-Já tô indo seu dotô. Não quero confusão.
Ataíde tomou outro ônibus e voltou para o lugar de onde viera. Pegou o último ônibus do dia e chegou em casa depois de atravessar um terreno baldio e ainda andar mais algumas quadras.
-Será que tem Jamel lá na cozinha?
Ataíde bebeu mais uma garrafa. Foi para o outro quarto da casa. O defunto de uma mulher muito gorda jazia podre cercado por três crianças mortas, com braços amarrados e mordaças agora frouxas pela decomposição das bocas.
-Ah, Berenice. Se ocê não tivesse me deixado, tirado meus menino de mim, eu dividia essa cachaça contigo. Eu queria minha mãe me abraçando. Faz tempo que ela não fala comigo, igual eu não falo com meus filho.
Ele se deitou ao lado do corpo do filho mais velho. E adormeceu.

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