8/19/2018

Dani

-Filho, é uma festa de adultos.
Daniel sabe que não é a primeira vez que os pais precisam passar uma noite fora, “porque é importante”. O problema de verdade é que dessa vez Dani, como a mãe prefere chamar, não terá o irmão mais velho cuidando dele.
É importante, envolve o emprego do papai” - disse a mãe de Daniel. - “E vai ser tão chato, não vai ter ninguém da sua idade”.
Mas Léo, o irmão de Dani, ele sim era grande o suficiente para ir á festa. Quatro anos mais velho e com síndrome de Down, Léo é dotado de um carisma inocente que encanta os corações mais sensíveis e amedronta os corações mais rígidos.
O que Dani ainda não entendia, é que a presença do irmão na festa chamaria todas as atenções (e toda a pena) para o pai dos garotos, que assim garantia uma promoção seguida de aumento de salário.
Mas Daniel só conseguia entender tudo isso como uma situação muito confusa. De um lado, era velho o suficiente para ficar sozinho em casa, pela primeira vez por uma noite inteira. De outro lado, os pais achavam que ele ainda era só uma criança birrenta e que em uma festa só traria aborrecimentos. Na cabeça de Dani, os ciúmes do irmão se misturavam com a sensação de pequenez e impotência. Estava zangado com os pais mas não queria passar tantas horas sem saber deles.
Nunca imaginei que um filho com Down daria menos trabalho que um Daniel”
A frase dita pelo pai, ecoava na mente de Dani esses últimos dias, até que a família entrou em um carro Volkswagen e foi embora para a festa.
De qualquer modo, Dani precisava se distrair por uma noite inteira.
Não demorou para surgir uma ideia de como ocupar o tempo.
-Coisas de Adulto. Porque eu sou sim grandinho o suficiente.
Mas o que adultos fazem?
Daniel já tinha assistido pornografia antes. Não seria nada de muito novo, mas o garoto decidiu experimentar mesmo assim.
Garota nua ensaio sensual de nudes”
A pesquisa durou um minuto e meio, o tempo que o garoto levou para ter um orgasmo mecânico enquanto massageava a cabeça do penis, repetindo “vai safada, gostosa”, porque a adrenalina de falar essas palavras em voz alta o animou muito.
Com gotinhas de esperma escorrendo pelo shorts, Daniel foi para a cozinha. Poderia fritar um ovo, mas isso também não era novidade. Há anos a mãe o ensinara a fritar ovos. Além do mais, era o dia de fazer coisas de adulto.
O garoto preparou um prato com saladas e grãos, porque era comida de adulto. Com duas colheradas o garoto se convenceu de que estava satisfeito e jogou toda a comida no lixo. Sentiu sede.
Queria beber algo que só os adultos bebessem, e não teve dúvidas. Na sala de estar, em um armário alto, o pai de Daniel e Léo guardava garrafas de elixires proibidos para crianças. Vodca Smirnoff, uísque Scotch, vinho vermelho. No entando, o que o garoto queria mesmo estava na porta mais baixa do armário. Se bebesse qualquer coisa na estante de cima, o pai sentiria falta no outro dia. Mas atrás da porta de madeira haviam garrafas e garrafas das bebidas mais baratas. Aguardente e vodca, algumas garrafas já pela metade, outras fechadas. Ali era possível se deleitar sem ninguém perceber.
Daniel escolheu uma vodca, porque a bebida parecia água, “então deve ser mais fraca”, e o rótulo era azul, cor favorita do menino.
Sentado no sofá, Dani abriu a garrafa e sentiu o cheiro do alcool. Reagiu com náusea, mas a careta logo deu lugar á expressão de curiosidade. O primeiro gole, que na verdade foi um gole bem grandão. O alcool evaporado saia pelas narinas ao mesmo tempo em que tudo queimava no sistema digestivo de Dani.
É muito ruim, mas só um gole deve ser pouco”
Outro volumoso gole se sucedeu. O terceiro, para a surpresa de Dani, não trouxe desconforto nenhum. Fechou a garrafa e a colocou de volta no lugar.
Imediatamente o garoto passou a se sentir fora de si. Não sabia se podia ser tão rápido, talvez fosse a Adrenalina ou algum efeito psicológico. Mas Dani sentiu algo que nunca tinha sentido antes, e isso era demais. Começou a ficar tonto, mas não percebeu bem.
Hahaha. Eu sou demais. Garota nua nudes”
Após um breve cochilo, Daniel acordou no chão da sala. Já eram dez da noite. Devagar se lembrou de ter comido salada e bebido vodca. Era gostoso. Sentiu vontade de beber mais. Dessa vez optou por cachaça. Achou ela pior que a vodca, mas com algo de doce no final.
eu me lembro que o professor disse que o Léo tinha idade mental de metade da idade que ele tem” -o garoto procurou por um bloco de anotações -”dezesseis dividido por dois”.
O garoto não percebia sua caligrafia tremida, escrevia e raciocinava com facilidade, porém com lentidão.
A idade mental dele é de oito anos. Então mesmo ele sendo quatro anos mais velho na idade eu sou quatro anos mais velho da cabeça. Eu deveria estar naquela festa”
Eu sou um ninja”. O garoto gargalhava escondido atrás da árvore, enquanto assistia o vizinho chegar do trabalho. “Dar um susto vai ser divertido, ele nem vai me ver”.
De trás da árvore, Daniel arremessou um ovo em direção ao vizinho, e se escondeu.
Ainda zonzo pelo alcool, o ovo se espatifou na lixeira pŕoxima ao vizinho.
O que Daniel não sabia é que o vizinho, irritado, ouvira suas gargalhadas, viu o arremesso do ovo e viu o garoto correndo para dentro de casa.
Na consciẽncia de Daniel tudo tinha acontecido furtivamente e o vizinho super confuso tentava descobrir o que aconteceu. “Está chovendo ovos, ahahahhaha”
cinco minutos se passaram, e não havia sinal de nenhuma alma viva em toda a rua. O menino bêbado se aproximou da casa do vizinho, espiou pelas frestas do portão, procurando pela localização das janelas.
Com um forte estalo, outro ovo espatifa no vidro da janela. Daniel começa a correr em direção á sua casa. O portão da casa do vizinho se abre. Daniel tropeça no meio fio e bate o queixo no chão.
Um monstro que anda usando pernas e braços, como um gorila raivoso, veio em direção á Daniel. A última lembrança do garoto é a de ser puxado pelo asfalto, segurado pelos pés. Daniel se lembra de dentes afiados, grunhidos e uma baforada quente em seu rosto.