Recentemente, morri duas vezes. Em uma destas, eu estava no purgatório, aguardando minha vez de ser chamado. Era como uma sala de espera, com paredes cinzas infinitas, chão de carpete e cadeiras de plástico como as de clínica de convênio. Olhei para minhas mãos, onde encontrei um papel de senha com o número 12. Quando finalmente encontrei o visor de senha, marcava -639. Apitou e exibiu o número: -638. Não há muito o que se fazer. Eu não podia dormir e não sabia onde estava, ainda. Por sorte, uma pequena portinhola se abriu, em uma parede cinquenta metros à frente, de lá vi sair um ser com pés de cabra, chifres de boi e olhos de peixe. — Senhor Henrique Cruz! Me levantei e corri em direção. Ele apenas sinalizou que eu entrasse. Parecia um escritório. Me ofereceu uma cadeira para sentar e posicionou-se do outro lado da mesa. — Pois bem! O senhor morreu — disse ele com voz grave. — Antes de prosseguirmos, vou fazer uma pequena entrevista para mapear comportamentos que ajudarão os juízes a...
Ela dizia que eu sou louco por agradecer a torradeira por ter feito as torradas perfeitamente. -Você sabe que os objetos não ouvem. Por que você não me agradece quando eu faço seu almoço? Eu agradecia todas as vezes, mas ela não ligava. Ela não queria que eu agradecesse e sim que eu elogiasse o macarrão sem sal. Eu dizia: -Macarrão é massa e tomate é fruta! Se não colocar sal o prato fica doce! Então terminamos nosso namoro. ... -Muito obrigado pelos sessenta minutos de prazer que você me ofereceu! -São duzentos reais Agora eu agradeço as prostitutas pelo sexo, ao microondas pela comida, ao meu gato pelo carinho e Maria Cecília não me faz mais falta nenhuma!
"Quando acordei, prometi que seria um dia bom, mas meu Peugeot 207 decidiu que não. Além do rádio que não lia mais pen drive e só sintonizava na estação gospel (pelo menos era a única da cidade que não tocava ‘A Voz do Brasil’), tínhamos também um fusível queimado no ar-condicionado. Me encaminhava à escola, já imaginando o caos que me aguardava, quando uma fumaça misteriosa começou a sair do capô. Parei em qualquer lugar – literalmente, qualquer lugar – e descobri que o vazamento de água era, na verdade, o reservatório do radiador decidindo que já tinha sofrido o suficiente. Chamei um Uber. Cheguei vinte minutos atrasado, pois o motorista insistia em dirigir devagar enquanto contava a história da mãe, que tinha um carro igual ao meu. ‘Explodiu com ela dentro’, ele disse, como se isso fosse um fato casual, do tipo ‘hoje o dia está bonito’. Eu pensava: ‘Deus, se eu tivesse um filho desses, eu também me explodiria.’ Na sala de aula, a turma do 1°C me aguardava. Quer dizer, uma peque...
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