11/20/2024

 éramos todos um

mas estagnados

nos dividimos

de forma incomum

viramos um par


os dois se reconheceram

depois de tempos

e com a sorte 

decidiram criar um terceiro

que era mar


0, 1 2

1+2 são 3

como o 0 já existia, os três eram quatro

e já tinha alguém novo no universo

eu não sabia quem era

porque eu sou o zero


6/29/2024

 Quem sou o que vim fazer aqui?

O despertador toca música clássica, um violino alto o bastante para me acordar. primeiro me incomodo com o som, depois sinto o meu corpo lentamente. Primeiro o rosto,braços, tronco, e só então sinto minhas pernas. Meu corpo inteiro sente frio, e instintivamente puxo a coberta sobre meus ombros. é gostoso e confortável, eu ficaria ali para todo o sempre, mas uma voz sopra em meu ouvido que não posso fazer isso.

Há trabalho a se fazer, mas porque?


8/01/2021

Maria Cecília

 

Ela dizia que eu sou louco por agradecer a torradeira por ter feito as torradas perfeitamente.

-Você sabe que os objetos não ouvem. Por que você não me agradece quando eu faço seu almoço?

Eu agradecia todas as vezes, mas ela não ligava. Ela não queria que eu agradecesse e sim que eu elogiasse o macarrão sem sal. Eu dizia:

-Macarrão é massa e tomate é fruta!  Se não colocar sal o prato fica doce!

Então terminamos nosso namoro.

...

-Muito obrigado pelos sessenta minutos de prazer que você me ofereceu!

-São duzentos reais

Agora eu agradeço as prostitutas pelo sexo, ao microondas pela comida, ao meu gato pelo carinho e Maria Cecília não me faz mais falta nenhuma!

12/21/2019

Capitã Aranha


A voz dele nunca soou tão fria, chegou me dar arrepios. “Cala a boca, Bianca”, papai disse. Mas eu amo ele mesmo assim. Meu pai é bem bravo, mas não é sempre. As vezes ele me dá presente, sempre traz um doce quando vai ao mercado. Ele só não gosta muito de quando eu tento brincar com ele, mas ele vive dando sorrisos quando eu mostro meus desenhos pra ele. Ontem eu desenhei um homem aranha, conforme vi no celular, e ele riu bastante. “Você quer ir no cinema, não é?” ele disse. Respondi que sim.
Agora estamos no estacionamento do shopping center, está de noite. Acho que é a primeira vez que eu saio com papai a noite, ele vai me levar no cinema assistir o homem aranha no aranhaverso porque ele sabe que eu gosto de super heróis e vou fazer o meu aniversário de nove anos semana que vem. Já pedi decoração da mulher maravilha, acho ela linda.
Ele olhava o celular toda hora, me segurando pela outra mão. Ele perguntou se eu queria comer alguma coisa antes, e a gente foi no Burguer King e eu peguei de brinde um copo sem graça. Eu queria o boneco da capitã Marvel que tinha no Mc donalds mas meu pai fala que o lanche de lá é feito com minhoca e dá dor de barriga. Daí ele come o lanche vegetariano do Burguer King e chega em casa com dor de barriga mesmo assim.
Depois do lanche eu pedi um sorvete, mas ele falou que a gente compraria quando fosse embora. Fomos no cinema comprar o ingresso, e o papai mostrou minha carteirinha da escola para pagar menos, ele sempre faz isso mesmo. Daí ele queria ir no banheiro, mas o do cinema não podia entrar porque só quando fosse ver o filme. Daí a gente foi no banheiro do outro lado do shopping.
Não faz mal, na verdade eu gosto de olhar as vitrines e faltava bastante tempo pra começar o filme. Meu pai estava mais quieto que o normal. Para tudo que eu falava ele repetia “seu aniversário está chegando, se eu comprar algo hoje não vou ter dinheiro pro seu presente”. Ele disse que ele e mamãe estavam planejando uma surpresa, que eu não poderia saber o que é, mas que por isso não podia comprar nada. “não vou te deixar sozinha aqui, você entra no banheiro comigo”, ele disse. “Não vou te deixar sozinha no banheiro masculino, você entra na cabine e fica de costas. Não faz mal também, é bem ruim ficar sozinha no banheiro masculino então eu entrei com meu pai na cabine, ele ficou de costas pra fazer xixi, mas também não faz mal porque eu já tomei banho com papai. Nada de novo sob o sol.
Nós fomos assistir o filme. O Miles Morales é muito legal, ele tem um cabelo feito o meu e namora a Gwen Stacy que também tem poder de aranha. Aparece no filme o pai dele que é muito parecido com o meu pai e o porco aranha. O porco aranha é muito engraçado, ele é um desenho 2d  num filme de 3d. Eu fiquei imaginando que eu era parte do filme, jogando teia pela cidade. Numa cena em que ele estava em cima de um prédio, meu pai falou “olha, parece a visão da nossa sacada” e era bem parecido mesmo. A Gwen Stacy do filme é bonita igual uma menina da minha escola.
Ai, quando o filme acabou eu quis chorar, mas segurei. Meu pai parecia estar entediado no começo, mas ele se mexeu bastante nas cenas de ação do final, chegou parecer que  ele ficou mais nervoso que eu pra ver o que acontecia com o Miles Morales. Acho que ele se interessou quando viu o pai do Miles.
“Sabe Bia, eu acho que também sou um pai de super-herói”. Eu não entendi, mas ele me explicou que me amava e que eu ia ser muito boa quando crescesse. Eu tirei uma foto com o cartaz do filme. “Finge que você é a Gwen!”, ele disse, e eu fiz a mão de teia pra foto. Fomos tomar sorvete.
Agora que eu parei pra pensar, porque meu pai tomava o sorvete dele em silêncio. Acho que meu pai não gostava daquele shopping porque ele já trabalhou lá como segurança, e daí demitiram ele. O cinema ficava no terceiro andar, eu gosto de ficar olhando lá pra baixo. Papai quis ir no banheiro de novo. “já sabe né?” ele disse. Entrei com ele, mas dessa vez ele não ficou de costas. Ele se sentou no vaso, ainda com as calças, me abraçou e me beijou na boca.
Quando meu pai parou de me beijar, ele disse que conhecia algo legal naquele shopping.  Ele ia falando “acho que todo mundo pode ser um herói se acreditar bastante”, e também sobre como eu tinha potencial e como ele parecia com o pai do Miles Morales. Eu falei que queria poder ter os poderes do aranha, e ele falou que eu podia. Nós chegamos no canto do shopping que dava pra ver tudo. Lá de cima eu enxergava todas as lojas, as pessoas. Meu pai me pegou no colo.
Do colo dele eu ficava mais alta para ver as coisas. Me imaginei com os poderes de aranha, balançando minha teia entre os andares, puxando com a teia o sorvete de um menino branco no segundo andar. Imaginei tão forte que eu enxergava as teias e dava cambalhotas no ar, de um lado pro outro.
A música do filme tocava na minha cabeça. Quando chegar em casa eu vou tentar descobrir o nome. Eu fazia uma cama elástica com teia e deixava meu corpo cair, a teia descia até quase no chão, e me jogava pra cima de novo. Eu chegava perto do teto do shopping, e caía de novo. Na terceira queda, cheguei a sentir o ventinho batendo no meu rosto. Foi nessa hora que levei um susto.
Quando olhei para baixo, para a cama elástica de teia, ela sumiu. Lá em baixo havia uma menina, deitada, estirada, vestindo uma roupa como a minha, mas toda lambusada de sangue. Quando vi, me desesperei por alguns segundos, parada no ar. Logo passou, e eu percebi que estava flutuando. Meus poderes não eram de aranha, eu podia voar como a capitã Marvel. Eu passei a dar piruetas, e subi até o terceiro andar. Lá eu vi meu pai, correndo, com o rosto sério. Quando ele fez a curva da loja de roupas eu fui atrás dele dizendo “papai, olhe pra mim, eu sei voar”. Ele não me ouvia.
Quando meu pai viu um outro homem, um velhinho de bigode, ele se aproximou e colocou  as mãos no rosto, chorando. “Por favor, minha filha se jogou lá em baixo por causa do filme do homem aranha”.  Eu continuei voando, até o teto, mas papai não me ouvia chamar. O velhinho disse que procuraria por ajuda, e quando saiu, meu pai parou de chorar.


8/22/2019

Aeroporto



-Aquele pessoal do check-in é muito mal educado, jogaram minha mala de qualquer jeito, espero que não quebrem meus perfumes, nunca que encontrarei no Brasil um perfume como aquele, gosto muito de perfumes.
Ao olhar para trás, a jovem Jolene ficou surpresa. Uma mulher que devia estar chegando aos cinquenta lhe dirigia a palavra querendo socializar. A jovem, sem resposta pronta, não queria ficar em silêncio para não parecer rude com a mulher. Porém, a surpresa do ato fez com que respondesse:
-Sim, sim, percebo que a senhora cheira bem!
Oh deus, porquê querida Jolene respondera daquela forma? A mulher que já era carente, agora entendia isso como um elogio, trataria Jolene com mais carinho com que trata suas próprias filhas.
-Esse é um Shalini, realmente maravilhoso. Vejo que é uma moça bem comportada e de bom gosto. – Jolene respondeu com um sorriso simpático e cordial- seu rosto me lembra minha filha mais nova, você é muito bonita mesmo. Reconheci que é brasileira pelo chaveiro na bolsa. O que faz na França?
De fato, Jolene tinha pendurado na bolsa um chaveiro que misturava as bandeiras dos dois Países, formando uma bandeira cortada na diagonal, com a bandeira Brasileira á direita, a Francesa à esquerda.
-Eu vim para visitar uma irmã que faz douturado aqui, aproveitando para conseguir matrícula em uma universidade.
-Nossa, mas que interessante”  – A senhora exclama enquanto  tira o chapéu, mostrando seus cabelos pintados de loiro -  O que vocês fazem, você e sua irmã? Fui professora de Genética por muito tempo em uma universidade carioca, até que encontrei um marido rico. Será que esse embarque demora? O avião vai se atrasar, e nós nem estamos no Brasil.
Antes que a jovem respondesse, um movimento chamou atenção das duas um pouco mais a frente da fila de embarque. Um homem mais velho, alto, corcunda e careca, discutia em inglês com um rapaz de camiseta de animé japonês.  Ao que tudo indica, o velho estava incomodado com o fato do rapaz assistir a um vídeo no celular, sem usar fones de ouvido. O velho teria batido na mão do jovem, derrubando o celular, e eles teriam um grudado no pescoço do outro. Agora, outras pessoas separavam os dois enquanto um policial e um dos seguranças do aeroporto vinham correndo de longe.
-Mas que infortúnio! Nem parece que estamos na Europa!
-Sim, sim. – Respondeu jolene.
-Mas você ainda não me disse o que fazem você e sua irmã.
-Ela estuda química na Pierre Marie Currie, eu estou tentando entrar na Bourdeaux, uma pós graduação de medicina.
-Jovem, bonita e culta. Você é uma mulher de causar inveja, me lembra minha juventude, eu só não era tão bonita – Disse a senhora, dando uma piscadinha nada discreta e um sorriso de boca aberta – Mas ainda assim, graças a Deus, consegui amarrar meu marido. Veja só, aqueles dois irão se matar!
Os homens voltavam a discutir alto, em inglês. O segurança do aeroporto tentava apaziguar a situação enquanto o policial já parecia ter perdido a paciência. Um clamava o direito de não ser perturbado, o outro pedia o direito de proteção a bens privados. As duas brasileiras assistiam em silêncio. Conforme o policial retirou os homens, a fila andou dois passos e uma funcionária do aeroporto começou o embarque.
-Sempre deixo meus documentos a mão nessa bolsinha, nunca se sabe. Assim posso deixar tudo na mala de mão e poupar tempo no detector de metais.
-Sim, sim. Eu também.
-Como queria que minhas filhas fossem como você.
A fila andou mais um pouco. Jolene passou pelos detectores de metal sem impedimentos e entrou na sala de embarque. Logo veio a mulher. No avião, estavam separadas. Ao lado de Jolene se sentou um homem que dormia com a gravata afrouxada para respirar melhor.
Sras. e Srs., solicitamos que afivelem cintos de segurança. À partir deste momento é proibida a utilização de qualquer equipamento eletrônico. “
Cansada da viagem, Jolene cochilou assim que o avião decolou.
“temos algum médico a bordo? Repito, temos algum médico a bordo?”
Jolene se inclinou para a frente, ainda sem entender o que acontecera. Uma aeromoça demonstrou interesse enquanto a jovem levantava a mão.
-Eu sou médica!
-Que bom!, tem uma senhora passando mal na primeira classe.
A primeira coisa que a médica fez ao se aproximar, foi pedir espaço e tirar o chapéu da senhora., revelando seus cabelos loiros. Jolene passou a mão pelo rosto de sua colega de fila. Ela suava frio, respirava com dificuldade.
-Ela reclamou de dores no peito e formigamentos - Disse a aeromoça, trêmula.
Jolene abriu a blusa da senhora e pôs a mão no peito. O coração batia fervorosamente. Arritmia Cardíaca. Ela tinha um infarto.
-Tente ficar calma, senhora. Converse comigo. Alguém tem duas aspirinas? Qual seu nome?
-Elizabeth, minha filha. Me chamo Elizabeth.
-Preciso que a senhora fique calma, tente respirar tranquilo. Converse comigo
Alguém chegou com aspirinas,  mas a essa hora, Elizabeth começava a ter alguns espasmos estranhos. Jolene tentava massagear o peito, mas de nada adiantava.
Subitamente sumiram os espasmos e a tremedeira, a respiração forçada deu lugar a uma respiração lenta. Erguendo a cabeça para cima, Elizabeth soltou, junto com seu último sopro, a frase “eu te amo”.
Jolene caiu em pranto no colo da mulher.




6/27/2019

Para um pai que perde um filho, um filho que ganha o mundo.