-Ou. P...p...para onde vai esse
ônibus?
-Esse aqui vai lá pro terminal
Nova Bahia
-Vixi. Não sei não, acho que
peguei o ônibus errado. O que é isso que você está lendo?
-Edgar Allan poe. conhece?
-Não conheço não. Essas letrinhas
aí eu nem enxergo. Minha ex mulher que lia, um livro desses daí ela lia num
supetão. Meus filho lia também. Mas
eu não falo com eles faz tempo. Canto
tempo você leva pra ler um livro desses?
-Eu vou lendo devagarinho, um
pouco por dia. Não para pra contar não
-Hã?
-Leio um pouco por dia, nunca
contei.
-Ah... Eu nem sei pra onde esse
ônibus vai.
-Pra onde você quer ir?
-O quê? Ih rapá, pra onde eu quero
ir? Eu queria minha mãe me abraçando.
-Ah.
-Vou lá pra casa da minha mãe mas
esse ônibus tá indo pro lugar errado. Leia aí. pode ler
-Ou, você. Pra onde esse õnibus tá
indo?
-Pra onde? Lá pro terminal Nova
Bahia.
-Vixi. Não sei não. Eu tô é
perdido.Ih rapá, Não sei onde eu tô não.
-Tá perdido é? *gargalhada* Aqui é
a avenida Zahran.
-Ah. A avenida. Mas vai pra onde?
-Vai lá pro terminal.
-E lá tem cachaça?
-O senhor curte uma cachaça?
-Eu comecei beber com nove anos.
Me corromperam. Meus filhos são tudo maior que ocêis. Tudo do tamanho daquele
lá lendo livro. Parece minha ex mulher. Só queria saber de ler livro. E eu, só
queria saber de cachaça *gargalhada*.
Eu não vejo meus filhos faz tempo.
Dá um realzin aí? pra eu tomar uma jamel.
-Não tenho não. Se fosse pra
comprar uma broca eu até dava.
-Você disse droga? sabe, eu não
fumo não, não fumo essas coisas ai de droga não, pra minha mãe não ficar
triste, mas se você tiver um aí e quiser dar na minha mão, nóis experimenta
*gargalhada*
-Não, eu disse Broca. Bro-ca.
Comida, lanche, almoço. E você compra pinga com um real?
-Ah, se você quiser me pagar a de dois real também serve.
*O moço que lia o livro se levanta
e fica em pé*
-Aí, o senhor ficou se escorando
no cara ele ficou puto. Até parou de ler o livro.
-Nem vi. Você é bonito hein.
-Ih, alá, o bebum tá afim do
marquinho.
-Cê já tem namorada já? Cantos anos cê tem?
*Gargalhada*
-Aquela ali não é a mulher da
novela? Ei moça, você é muito bonita viu. Isso dai é chapinha que chama? no seu
cabelo.
-*Segurando a gargalhada*
Obrigada, isso é trança que chama.
-Ela é bonita não é? Parece a
mulher da novela.
-Como o senhor chama?
-Eu chamava Ataíde.
-Como assim, chamava?
-Eu chamava Ataíde. Pra onde esse
ônibus vai? Deixa eu levantar aqui. Você tem
um cigarro? Eu quero um cigarro.
-Não tenho não.
-È assim que fala? Você tem que
falar "eu não fumo"
-Eu não fumo não senhor.
-Aham. Que bom. Continua assim. Eu
já fumei meus três pulmão. Você
acredita que eu tenho três pulmão?
-Ah é?
-A gente que fuma precisa de vocês
que não fuma pra doar pulmão pra gente. Acredita que eu tinha três fumão e
fumei os três?
-Nossa, Três?
-Fumei os três. Agora queria outro
e não tenho. E você não fuma pra me dar um cigarro. Pra onde esse ônibus vai?
-Pro terminal Nova Bahia
-Eu peguei o ônibus errado. Vou
ter que esperar.
*O garoto que lia o livro de Allan
poe volta*
-Toma aqui um dinheirinho, o
senhor vai sentir fome mais tarde.
-Garanti o de hoje. Deixa eu me
levantar aqui. Vou sentar ali. oi moça. Você não conversa não?
*balança a cabeça, não*
-Então eu vou conversar com esse
menino. Você parece o Fiuk. Você não é filho do Fábio Junior não?
-Não sou não. *gargalhada*
*Gargalhada* - Ih tio, ele parece
o Wesley safadão isso sim.
-Ih rapá, que safadão que nada.
Esse dai parece o Fiuk. Pra parecer safadão tem que engordar mais um pouco.
*Gargalhada*
-Menino, você parece o Fiuk. Se eu
tivesse um celular eu ia abrir um site pra mandar uma foto sua para o Fábio
Júnior.
-Para onde vai esse ônibus?
-Esse vai pro Nova Bahia.
-Aquele ali é o shop?
-É sim. O Shopping Campo Grande. O
senhor já foi?
-Eu? E eu vou fazer o que em shop? Tenho nada pra comprar lá.
-Eu também, as vezes não tenho
dinheiro pra comprar nada, mas é bom ir lá só pra ficar andando.
-Eu já ando muito, o tempo inteiro
Não vou andar em Shop. Até enquanto
eu durmo minha mente anda, mas não anda em shop.
Eu queria é chopp.
Ataíde desceu do ônibus no
Terminal. Deitou-se em um banco, e acordou com o guarda o empurrando com a
ponta de um cassetete.
-Já tô indo seu dotô. Não quero confusão.
Ataíde tomou outro ônibus e voltou
para o lugar de onde viera. Pegou o último ônibus do dia e chegou em casa
depois de atravessar um terreno baldio e ainda andar mais algumas quadras.
-Será que tem Jamel lá na cozinha?
Ataíde bebeu mais uma garrafa. Foi
para o outro quarto da casa. O defunto de uma mulher muito gorda jazia podre
cercado por três crianças mortas, com braços amarrados e mordaças agora frouxas
pela decomposição das bocas.
-Ah, Berenice. Se ocê não tivesse me deixado, tirado meus menino de mim, eu dividia essa
cachaça contigo. Eu queria minha mãe me abraçando. Faz tempo que ela não fala
comigo, igual eu não falo com meus filho.
Ele se deitou ao lado do corpo do
filho mais velho. E adormeceu.
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