O miserável agradeceu a marmita:
-Muito Obrigado dona Lourdes. Se precisar de algum trabalho
de casa como carregar caixas ou cortar a grama, eu faço na maior boa vontade
para a senhora.
-Não há de quê, filho. Já estive em situação parecida com a
sua. É bem ruim precisar pedir por coisas tão básicas como comida.
Jorge, o miserável, andou por meia hora até o parque, onde entrou
no banheiro público e cagou.
Terminado o serviço, usou
a pia. Enquanto jogava água na cara para umedecer a barba e se refrescar,
pensava na situação anterior.
“Dona Lourdes já foi uma miserável”
“isso explica aquelas cicatrizes no rosto, não?”, ”marcas de
um estupro, algo assim”
“E ela tem toda aquela comida guardada, só para ela”
“Quantas pessoas se satisfariam com aquilo tudo?”
No Boca-a-boca a palavra se espalhou: Um banquete gratuito
no sábado, na esquina do parque Água Azul.
Uma mesa enorme, tirada da casa de Dona Lourdes, estava
estendida com toalha e comida, desde a madrugada. Às seis da manhã começaram a
chegar os primeiros pratos. Cuscuz, arroz, ovos e enlatados em um pote volumoso. Os miseráveis se serviam.
Sobrou comida para os que chegaram ás 9 e comeram coisa
fria.
Dois homens gordos e barbudos chegaram em um sedã e colocaram pães
(amanhecidos) na mesa, junto com a propaganda de uma padaria local.
Entre os que se deliciavam Jorge era o menos satisfeito.
Não parava de comer enquanto não passasse mal, porque nunca vira comida antes
em tanta abundância.
Doaram mais arroz e mais feijão. Farinha, três ou quatro
pacotes de um quilo.
Outra padaria descartou ali seus resquícios do dia.
Jorge arrotou ao por do sol. E começou a caminhar sem
direção.
Quando viu, tinha dois reais de esmola no bolso. Comprou um
corote. Jorge virou a garrafa plástica e a última gota caiu em sua língua.
A casa de Dona Lourdes estava sempre aberta para Jorge.
Jorge entrou na casa. Enquanto isso, os outros mendigos
festejavam á esquina do parque.
Dona Lourdes chorava com os braços atados á uma corda, o retrato do marido militar jogado ao seu
lado. Jorge chorava de comoção ao ver a cena.
O sonho de Lourdes era fazer o que Jorge fez. Ela se
preparava para fazer isso antes de morrer: Um grande banquete aos miseráveis.
Seria de longe a mais santa, com vaga garantida no céu.
Mas para fazer isso, precisava garantir que a morte estava próxima.
Lourdes viu a morte tantas vezes que não mais acreditava
nela.
Até Jorge bater nela com a frigideira quente que usou para
fritar os ovos do banquete.
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