-Filho,
é uma festa de adultos.
Daniel
sabe que não é a primeira vez que os pais precisam passar uma noite
fora, “porque é importante”. O problema de verdade é que dessa
vez Dani, como a mãe prefere chamar, não terá o irmão mais velho
cuidando dele.
“É
importante, envolve o emprego do papai” - disse a mãe de Daniel. -
“E vai ser tão chato, não vai ter ninguém da sua idade”.
Mas
Léo, o irmão de Dani, ele sim era grande o suficiente para ir á
festa. Quatro anos mais velho e com síndrome de Down, Léo é dotado
de um carisma inocente que encanta os corações mais sensíveis e
amedronta os corações mais rígidos.
O
que Dani ainda não entendia, é que a presença do irmão na festa
chamaria todas as atenções (e toda a pena) para o pai dos garotos,
que assim garantia uma promoção seguida de aumento de salário.
Mas
Daniel só conseguia entender tudo isso como uma situação muito
confusa. De um lado, era velho o suficiente para ficar sozinho em
casa, pela primeira vez por uma noite inteira. De outro lado, os pais
achavam que ele ainda era só uma criança birrenta e que em uma
festa só traria aborrecimentos. Na cabeça de Dani, os ciúmes do
irmão se misturavam com a sensação de pequenez e impotência.
Estava zangado com os pais mas não queria passar tantas horas sem
saber deles.
“Nunca
imaginei que um filho com Down daria menos trabalho que um Daniel”
A
frase dita pelo pai, ecoava na mente de Dani esses últimos dias, até
que a família entrou em um carro Volkswagen e foi embora para a
festa.
De
qualquer modo, Dani precisava se distrair por uma noite inteira.
Não
demorou para surgir uma ideia de como ocupar o tempo.
-Coisas
de Adulto. Porque eu sou sim grandinho o suficiente.
Mas
o que adultos fazem?
Daniel
já tinha assistido pornografia antes. Não seria nada de muito novo,
mas o garoto decidiu experimentar mesmo assim.
“Garota
nua ensaio sensual de nudes”
A
pesquisa durou um minuto e meio, o tempo que o garoto levou para ter
um orgasmo mecânico enquanto massageava a cabeça do penis,
repetindo “vai safada, gostosa”, porque a adrenalina de falar
essas palavras em voz alta o animou muito.
Com
gotinhas de esperma escorrendo pelo shorts, Daniel foi para a
cozinha. Poderia fritar um ovo, mas isso também não era novidade.
Há anos a mãe o ensinara a fritar ovos. Além do mais, era o dia de
fazer coisas de adulto.
O
garoto preparou um prato com saladas e grãos, porque era comida de
adulto. Com duas colheradas o garoto se convenceu de que estava
satisfeito e jogou toda a comida no lixo. Sentiu sede.
Queria
beber algo que só os adultos bebessem, e não teve dúvidas. Na sala
de estar, em um armário alto, o pai de Daniel e Léo guardava
garrafas de elixires proibidos para crianças. Vodca Smirnoff, uísque
Scotch, vinho vermelho. No entando, o que o garoto queria mesmo
estava na porta mais baixa do armário. Se bebesse qualquer coisa na
estante de cima, o pai sentiria falta no outro dia. Mas atrás da
porta de madeira haviam garrafas e garrafas das bebidas mais baratas.
Aguardente e vodca, algumas garrafas já pela metade, outras
fechadas. Ali era possível se deleitar sem ninguém perceber.
Daniel
escolheu uma vodca, porque a bebida parecia água, “então deve ser
mais fraca”, e o rótulo era azul, cor favorita do menino.
Sentado
no sofá, Dani abriu a garrafa e sentiu o cheiro do alcool. Reagiu
com náusea, mas a careta logo deu lugar á expressão de
curiosidade. O primeiro gole, que na verdade foi um gole bem grandão.
O alcool evaporado saia pelas narinas ao mesmo tempo em que tudo
queimava no sistema digestivo de Dani.
“É
muito ruim, mas só um gole deve ser pouco”
Outro
volumoso gole se sucedeu. O terceiro, para a surpresa de Dani, não
trouxe desconforto nenhum. Fechou a garrafa e a colocou de volta no
lugar.
Imediatamente
o garoto passou a se sentir fora de si. Não sabia se podia ser tão
rápido, talvez fosse a Adrenalina ou algum efeito psicológico. Mas
Dani sentiu algo que nunca tinha sentido antes, e isso era demais.
Começou a ficar tonto, mas não percebeu bem.
“Hahaha.
Eu sou demais. Garota nua nudes”
Após
um breve cochilo, Daniel acordou no chão da sala. Já eram dez da
noite. Devagar se lembrou de ter comido salada e bebido vodca. Era
gostoso. Sentiu vontade de beber mais. Dessa vez optou por cachaça.
Achou ela pior que a vodca, mas com algo de doce no final.
“eu
me lembro que o professor disse que o Léo tinha idade mental de
metade da idade que ele tem” -o garoto procurou por um bloco de
anotações -”dezesseis dividido por dois”.
O
garoto não percebia sua caligrafia tremida, escrevia e raciocinava
com facilidade, porém com lentidão.
“A
idade mental dele é de oito anos. Então mesmo ele sendo quatro anos
mais velho na idade eu sou quatro anos mais velho da cabeça. Eu
deveria estar naquela festa”
“Eu
sou um ninja”. O garoto gargalhava escondido atrás da árvore,
enquanto assistia o vizinho chegar do trabalho. “Dar um susto vai
ser divertido, ele nem vai me ver”.
De
trás da árvore, Daniel arremessou um ovo em direção ao vizinho, e
se escondeu.
Ainda
zonzo pelo alcool, o ovo se espatifou na lixeira pŕoxima ao vizinho.
O
que Daniel não sabia é que o vizinho, irritado, ouvira suas
gargalhadas, viu o arremesso do ovo e viu o garoto correndo para
dentro de casa.
Na
consciẽncia de Daniel tudo tinha acontecido furtivamente e o
vizinho super confuso tentava descobrir o que aconteceu. “Está
chovendo ovos, ahahahhaha”
cinco
minutos se passaram, e não havia sinal de nenhuma alma viva em toda
a rua. O menino bêbado se aproximou da casa do vizinho, espiou pelas
frestas do portão, procurando pela localização das janelas.
Com
um forte estalo, outro ovo espatifa no vidro da janela. Daniel começa
a correr em direção á sua casa. O portão da casa do vizinho se
abre. Daniel tropeça no meio fio e bate o queixo no chão.
Um
monstro que anda usando pernas e braços, como um gorila raivoso,
veio em direção á Daniel. A última lembrança do garoto é a de
ser puxado pelo asfalto, segurado pelos pés. Daniel se lembra de
dentes afiados, grunhidos e uma baforada quente em seu rosto.