4/23/2017

O triste fim de Leona Richter

Assim que entrou no bar, ela sentiu a tensão no olhar de todos os presentes. Uma mulher bonita não deveria entrar num bar de homens, ainda mais com um vestido vermelho curto e decotado. Não, não deveria. Ela sentou-se em uma mesa de dois lugares, colocou a bolsa no colo, e esperou.
Relutante, um garçom velho ofereceu-se:
-Pois não, madame.
-Uma dose de vodca, por favor. Pura e gelada, apenas.
Atrás da Madame Richter, três homens jogavam cartas e com a gritaria deles todos no bar sabiam que era García quem estava ganhando.
Mesmo que alguns estivessem muito bêbados, nenhum homem arriscava dirigir uma única palavra á bonitona da mesa 7, mas nenhum deles conseguia parar de olhar com desejo o corpo da mulher. Então o velho trouxe uma bandeja com um copo e uma garrafa.
Aquele lugar misturava todos os bares do mundo. O chão de madeira escura e a iluminação feita por lustres baratos. Os balcões limpos e três garçons usando de uniforme apenas um avental por cima de uma camisa. Haviam ali homens ricos bebendo coisas caras e comendo camarões fritos, ao lado de homens pobres comendo pão com cachaça. Entre eles, uma dama de vestido vermelho sentada sozinha.
Subitamente entra no recinto um homem conhecido por quase todos os outros do local. Cumprimenta com um aceno os que acidentalmente fazem contato visual com ele, então se senta na mesa onde outros três jogam as cartas.
-Hoffman! Chegou mais cedo hoje
-Sim García. Boa tarde. Ou já é Boa noite? Enfim. Separem as cartas e joguem o dinheiro na mesa que hoje eu acordei com o pressentimento de que vou ganhar.
-Então hoje você quer apostar?
-Se todos aceitarem, podemos jogar baixo.
A gritaria da mesa de cartas aumentou com a chegada de Hoffman. O homem parece inspirar a euforia nos colegas. Uma hora depois, Hoffman joga na mesa um Ás de espadas e recolhe cédulas e começa a contar.
-É, minha premonição estava certa. Acho que sobra bastante se eu pagar uma cerveja pra cada um.
Enquanto pedia as cervejas para um dos garçons, notou a dama que estava de costas para ele. Cochichou para Garcia:
-Quem é a bonitona?
-Não sei. É uma misteriosa que chegou pouco antes de você e começou a beber vodca sem falar nada. Primeiro pensei que ela estivesse esperando por alguém, mas deve estar no quarto ou quinto copo e ninguém chegou ainda. Ela talvez tenha levado um bolo.
-Nesse caso, Eu dou pra ela uma torta.
Hoffman levantou-se enquanto García deliciava-se rindo ao assistir a cena.
Hoffman sentou-se de frente para a Madame Richter, que vestia óculos escuros. Por segundos ficaram se encarando até o homem quebrar o gelo.
-Isso seria muito mais fácil sem os óculos.
-Não pretendo tirar eles, minhas olheiras estão terríveis.
-Algo tira seu sono? Madame...?
-Chame-me de Richter. Você é...?
-Hoffman. Se a senhorita não estiver esperando outra pessoa, posso te acompanhar com uma bebida?
-Claro que pode. Não espero ninguém.
Ela via nele uma beleza exótica entre os rapazes daquele lugar. Os olhos claros, a face redonda, a forma de falar e se vestir. Hoffman era um estrangeiro assim como Richter. Um estrangeiro bonito e charmoso.
Todos, incluindo os garçons, observavam incrédulos a coragem de Hoffman e invejavam sua sorte. Alguns pensam “Se eu soubesse que ela é uma vadia fácil, estaria no lugar desse cagado”.
...
-Preciso ir embora. Está tarde e eu já bebi bastante.
-Eu posso ir com você? Onde mora?
-Tudo bem, moro perto, de frente ao rio.
Assim, o recém formado casal seguiu conversando pelo curso de um rio, até que a mulher decidiu sentar-se em um banco, de frente para a água.
-Algumas pessoas dessa cidade vêm de muito longe, sabia?
-Hã? O que quer dizer com isso? – Exclama Hoffman
A Madame Richter tirou os óculos e encarou Hoffman em silêncio. O homem corou o rosto em vermelho e ficou imóvel.
-Como você me achou, mana.
-Isso não importa. Estou aqui e é o que importa.
-Minha irmã, eu te amei tanto.
-Eu também, irmã.
-Eu sou um homem agora.
-Sim, um homem charmoso que vive em Boemia.
-Eu sou feliz, pelo menos agora.
-Como consegue ser feliz tendo desgraçado nossa família, sapatão. Você renegou até seu sobrenome.
-Mas...
-Não adianta, você sempre será Leona Richter. Seu personagem Leon Hoffman nunca será real. Essa não é sua alma.
A Madame Richter tira de sua bolsa, um revolver pequeno e aponta para a cabeça da irmã.
-Adeus, irmãzinha querida.
-Apenas me diga o porque...
-Mamãe morreu de desgosto e Papai está doente desde o dia que você fugiu. Estou completamente sozinha por sua causa.
-Você não precisa...
Essas foram as últimas palavras de Leona, antes que a bala atravessasse seu crânio. O corpo magro que vestia uma camisa branca caiu ao chão, rolou por uma ladeira até chegar ao rio e ser levado pela correnteza.
Chorando, Madame Richter colocou uma peruca loira e um revolver dentro de sua bolsa, e seguiu por uma rua que margeia o rio.

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