Assim que entrou no bar, ela
sentiu a tensão no olhar de todos os presentes. Uma mulher bonita não deveria
entrar num bar de homens, ainda mais com um vestido vermelho curto e decotado.
Não, não deveria. Ela sentou-se em uma mesa de dois lugares, colocou a bolsa no
colo, e esperou.
Relutante, um garçom velho
ofereceu-se:
-Pois não, madame.
-Uma dose de vodca, por favor.
Pura e gelada, apenas.
Atrás da Madame Richter, três
homens jogavam cartas e com a gritaria deles todos no bar sabiam que era García
quem estava ganhando.
Mesmo que alguns estivessem muito
bêbados, nenhum homem arriscava dirigir uma única palavra á bonitona da mesa 7,
mas nenhum deles conseguia parar de olhar com desejo o corpo da mulher. Então o
velho trouxe uma bandeja com um copo e uma garrafa.
Aquele lugar misturava todos os
bares do mundo. O chão de madeira escura e a iluminação feita por lustres
baratos. Os balcões limpos e três garçons usando de uniforme apenas um avental
por cima de uma camisa. Haviam ali homens ricos bebendo coisas caras e comendo
camarões fritos, ao lado de homens pobres comendo pão com cachaça. Entre eles,
uma dama de vestido vermelho sentada sozinha.
Subitamente entra no recinto um
homem conhecido por quase todos os outros do local. Cumprimenta com um aceno os
que acidentalmente fazem contato visual com ele, então se senta na mesa onde
outros três jogam as cartas.
-Hoffman! Chegou mais cedo hoje
-Sim García. Boa tarde. Ou já é
Boa noite? Enfim. Separem as cartas e joguem o dinheiro na mesa que hoje eu
acordei com o pressentimento de que vou ganhar.
-Então hoje você quer apostar?
-Se todos aceitarem, podemos
jogar baixo.
A gritaria da mesa de cartas
aumentou com a chegada de Hoffman. O homem parece inspirar a euforia nos
colegas. Uma hora depois, Hoffman joga na mesa um Ás de espadas e recolhe
cédulas e começa a contar.
-É, minha premonição estava
certa. Acho que sobra bastante se eu pagar uma cerveja pra cada um.
Enquanto pedia as cervejas para
um dos garçons, notou a dama que estava de costas para ele. Cochichou para
Garcia:
-Quem é a bonitona?
-Não sei. É uma misteriosa que
chegou pouco antes de você e começou a beber vodca sem falar nada. Primeiro
pensei que ela estivesse esperando por alguém, mas deve estar no quarto ou
quinto copo e ninguém chegou ainda. Ela talvez tenha levado um bolo.
-Nesse caso, Eu dou pra ela uma
torta.
Hoffman levantou-se enquanto
García deliciava-se rindo ao assistir a cena.
Hoffman sentou-se de frente para
a Madame Richter, que vestia óculos escuros. Por segundos ficaram se encarando
até o homem quebrar o gelo.
-Isso seria muito mais fácil sem
os óculos.
-Não pretendo tirar eles, minhas
olheiras estão terríveis.
-Algo tira seu sono? Madame...?
-Chame-me de Richter. Você é...?
-Hoffman. Se a senhorita não
estiver esperando outra pessoa, posso te acompanhar com uma bebida?
-Claro que pode. Não espero
ninguém.
Ela via nele uma beleza exótica
entre os rapazes daquele lugar. Os olhos claros, a face redonda, a forma de
falar e se vestir. Hoffman era um estrangeiro assim como Richter. Um
estrangeiro bonito e charmoso.
Todos, incluindo os garçons,
observavam incrédulos a coragem de Hoffman e invejavam sua sorte. Alguns pensam
“Se eu soubesse que ela é uma vadia fácil, estaria no lugar desse cagado”.
...
-Preciso ir embora. Está tarde e
eu já bebi bastante.
-Eu posso ir com você? Onde mora?
-Tudo bem, moro perto, de frente
ao rio.
Assim, o recém formado casal
seguiu conversando pelo curso de um rio, até que a mulher decidiu sentar-se em
um banco, de frente para a água.
-Algumas pessoas dessa cidade vêm
de muito longe, sabia?
-Hã? O que quer dizer com isso? –
Exclama Hoffman
A Madame Richter tirou os óculos
e encarou Hoffman em silêncio. O homem corou o rosto em vermelho e ficou
imóvel.
-Como você me achou, mana.
-Isso não importa. Estou aqui e é
o que importa.
-Minha irmã, eu te amei tanto.
-Eu também, irmã.
-Eu sou um homem agora.
-Sim, um homem charmoso que vive
em Boemia.
-Eu sou feliz, pelo menos agora.
-Como consegue ser feliz tendo
desgraçado nossa família, sapatão. Você renegou até seu sobrenome.
-Mas...
-Não adianta, você sempre será
Leona Richter. Seu personagem Leon Hoffman nunca será real. Essa não é sua
alma.
A Madame Richter tira de sua
bolsa, um revolver pequeno e aponta para a cabeça da irmã.
-Adeus, irmãzinha querida.
-Apenas me diga o porque...
-Mamãe morreu de desgosto e Papai
está doente desde o dia que você fugiu. Estou completamente sozinha por sua
causa.
-Você não precisa...
Essas foram as últimas palavras
de Leona, antes que a bala atravessasse seu crânio. O corpo magro que vestia uma
camisa branca caiu ao chão, rolou por uma ladeira até chegar ao rio e ser
levado pela correnteza.
Chorando, Madame Richter colocou
uma peruca loira e um revolver dentro de sua bolsa, e seguiu por uma rua que
margeia o rio.
Nenhum comentário :
Postar um comentário