10/03/2016

Incerto

Bebia. Bebia porque preferia se afogar em álcool do que no estresse da vida de empresário. Luís Valim bebia na cozinha de sua própria casa. Saiu para a sala de estar, subiu as escadas da casa e entrou em seu quarto. Uma das paredes do quarto era inteira de vidro, e o luar iluminava todo o ambiente: uma porta para o closet ao lado de uma porta para o banheiro, a cama, uma estante, a esposa dormindo descoberta.
Valim sentou-se na cama, esfregou com as mãos a barba malfeita, passou pelo peito e apertou o próprio pênis, tudo mirando a esposa vinte anos mais nova que ele. Abaixou, sentiu o cheiro do cabelo dela e deitou-se ao lado da mulher, apalpando-a na bunda e os seios.
-Luís, o que você está fazendo? Eu estou dormindo.
-Não precisa acordar.
-Você está fedendo à cachaça, sai!
-E você fedendo à buceta.
-Luís, eu não quero! – A mulher se debate.
-Cala a boca, porra!
Então, Luís ergueu a camisola da mulher, puxou a calcinha dela para o lado e a penetrou ao mesmo tempo que a beijava no pescoço.
“Ai Luís” é tudo o que ouviu a filha mais nova do homem, quando abriu a porta do quarto.
-Papai! O michel está lá embaixo, chapado, e quebrou a mesa de centro da sala.
-Isso é hora, menina! Vai dormir! – Valim berrou levantando-se.
O homem vestiu seus calções, acompanhou a filha até o quarto e a mandou dormir. Ele mesmo fechou a porta do quarto da menina, e ainda de pau duro desceu as escadas que davam para a sala de estar. Lá, encontrou o filho de 19 anos deitado ao chão com uma garrafa de vodca enfiada no vidro da mesa de centro.
-Levanta!
O homem puxou o filho pelo braço até que se pusesse em pé, e o conduziu com dificuldade até a cozinha da casa.
-Seu demônio! Você vai apanhar tudo o que não apanhou quando era criança! Pra aprender a ser homem. Eu já te disse que não quero você dentro dessa casa, maconheirinho desgraçado. Se quiser continuar  se drogando, vai ter que ir embora. Você é maior de idade e eu não tenho mais compromisso algum com você.
Luís pegou uma escumadeira metálica presa na parede, e começou a chicotear o garoto.
-Você vai pagar por tudo o que você fez para a sua mãe. Você matou a sua mãe. Você é uma encarnação do próprio demônio
Por muito tempo o garoto permaneceu jogado ao chão, levando golpes de escumadeira até sangrar por todo o corpo. Luís percebeu que poderia matá-lo se continuasse.
Furioso, o homem voltou á sala de estar e subiu as escadas, de volta para o quarto, para libertar o resto de sua raiva na mulher.
...
-Ouvi dizer que nossa sala já foi o almoxarifado da delegacia. -Disse Gaston.
Gaston era um policial, detetive, rechonchudo e baixinho. Só vestia camisas. Seu bigode sempre me fez pensar que ele era mais adequado à uma delegacia de um filme de comédia estadunidense do que á uma delegacia brasileira. Eu imaginava Gaston com suspensório e comendo rosquinhas, falando inglês e sendo chamado de tira.
-Aqui estão! – Gaston abriu minha gaveta e guardou um par de algemas.
-Se o Garcia descobre que você pega minhas algemas para satisfazer a piranha da sua esposa, nós dois estamos fodidos. Falando na velha, ela continua gostosa?
-Continua cuidando da senhora sua mãe. Por falar no homem, o Garcia pediu pra você ir pra sala dele assim que chegasse.
Ao abrir a porta da sala do delegado Garcia, senti o usual cheiro de cigarro. Sim, era proibido fumar ali, mas já eram nove da noite e quem, dentro de uma delegacia, reclamaria com o delegado?
-Diga-me, que motivos eu teria parar tirar o sossego do grande detetive Herculano Pacheco. -Garcia balançava o cigarro com o lábio.
Sim, meu nome é Herculano Pacheco. Um nome forte demais, para um homem de aparência frágil. Sou nada mais que um detetive ordinário, um solucionador de problemas, mais especificamente, um solucionador de crimes.
Homens como Garcia me consideram genial, por poder decorar informações que eles nunca buscaram. Assista documentários e filmes desconhecidos, leia os livros que ninguém gosta e então gente como o Garcia, mesmo que numa patente mais alta que a sua, te considerará superior.
Outra coisa que aprendi com Garcia, é que depois de um elogio sempre vem um pedido.
-Pois bem, homem! Tenho um caso que só você é capaz de resolver. Há não mais de duas horas, um homem chegou dizendo que encontrou a namorada morta na cama dele.
-E?
-Não é um caso de violência doméstica comum. A ex-esposa dele também foi assassinada.
-E você tem certeza, que não foi ele quem matou?
-Me deixa contar a história inteira. O homem tem uma filha e um filho, o filho é usuário de drogas e foi um traficante amigo dele que matou a primeira mulher. Tanto o menino, quanto a menina estavam na casa quando a mulher morreu.
-Só os dois?
-Ainda espero pelas imagens de câmeras de segurança da casa, e outras informações. Mas parece que ninguém entrou na residência.
-Como ela morreu?
-Um corte no pescoço.
Fiquei quieto, olhando para o chão. Aproximei a mão da boca e Garcia quebrou o silêncio.
-O mais importante Herculano, é que você não é o encarregado desse caso, eu estou te mandando cuidar dele de forma não oficial, porque não acredito que Gaston possa resolver, e sinto que tem algo maior envolvido nessa morte. Talvez seja só paranoia minha, mas enfim! Não pense que estou te enchendo com trabalho extra, você fica sem caso nenhum por uma semana, se resolver esse.
-Pois bem! Eu irei.
Uma semana de folga, era tudo o que eu precisava para trabalhar em meus ditos projetos pessoais. Se o que se sucedeu não tivesse me perturbado por meses.
...
Cheguei no local do crime às nove e meia da noite. Precisava ser rápido para sair antes que Gaston chegasse. A casa era maior que eu imaginava, e presumi que Garcia me escondera algumas informações. No portão da casa, dois policiais impediam que jornalistas curiosos entrassem. Ignorei os curiosos, mostrei as credenciais, e para a tristeza da imprensa, passei sozinho pelo portão.
Um breve caminho passava por uma varanda e levava até a porta da casa, onde dois grandes amigos me esperavam. Ivan, o médico legista da delegacia onde trabalho e um perito chamado Miguel.
-Mostrem-me o que encontraram, amigos.
Ivan me guiou pela sala, onde estranhei que a mesa de centro estivesse sem a tampa de vidro. Subimos as escadas, e ao abrir uma porta do segundo andar, os dois me mostraram o cadáver da mulher na cama.
-Olhe bem para ela. Parece que nem acordou, morreu sem lutar.
Olhei ao redor. O quarto parecia em ordem, nada fora do lugar. Apenas a mulher morta em cima da cama e uma mancha de sangue no lençol.
-E a arma do crime?
-Venha comigo. – Disse o perito.
Descemos as escadas, até o quarto do garoto. Lá dentro, pôsteres de bandas punk, grupos de rap e mulheres nuas estampavam as paredes e a porta. O perito abriu uma gaveta, e dentro dela, por baixo de um guardanapo, escondia-se um punhal pequeno, manchado de sangue.


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