8/25/2015

Segunda-feira.

Quando eu era muito jovem, meu já falecido avô me disse: “Sempre veja as segundas feiras como uma segunda chance”. Ao momento que me lembro da última vez que ouvi isso já é tarde e muitas segundas feiras foram desperdiçadas. Por não ter aproveitado nenhumas das segundas chances minha vida se transformou num sábado, um eterno dia de descanso.

Vinte de maio, quarta-feira, meu aniversário. Eu me segurava com uma só mão na barra de metal no teto de um ônibus, no outro braço estava pendurada uma mochila com meus livros da faculdade. Eu vestia um casaco que era o meu favorito, não por ser o mais bonito, mas meu único até então. Na metade da viagem de uma hora e meia dentro daquele ônibus, que eu fazia duas vezes por dia de segunda á sexta, senti a mais estranha energia tomar conta do meu corpo, senti essa energia passar por trás de mim, o que equivale á roleta por onde entravam passageiros no veículo. Depois de um calafrio que varreu cada átomo de minha espinha, surgiu ao meu lado o mais belo dos seres.
A moça usava uniforme do banco, o cabelo certamente alisado artificialmente porém muito bonito, e a perfeita tonalidade de batom rosa. Como qualquer homem, eu não saberia definir aquela cor com outro nome que não rosa, mas não era qualquer rosa. Ela se afastou sem me notar e posicionou-se em pé, longe de mim.


Mais tempo se passou, provavelmente só sobravam vinte minutos da minha viagem, e reparei que o mais penetrante dos olhares me fitava, me senti como uma presa sendo observada por uma fera caçadora, mas embora nervoso, não estava com medo. Na verdade, senti vontade de ser devorado com ferocidade. Subitamente, muita gente adentrou o ônibus e os detestáveis passageiros obstruíram toda linha de contato que eu pudesse manter com a moça. Não era possível olhar para ela, ir até ela, e eu tive de me contentar com o que consegui memorizar de sua aparência. Nesse momento eu olhei pela janela o céu escuro e pensei quase em voz alta: ”Deus, eu já escolhi o meu presente”.
Como qualquer outro pedido meu, Deus se recusou a atendê-lo. Tive de voltar para a casa sem se quer observar a moça uma última vez...


Até que chegou esta segunda feira. Depois de um dia lotado de geometria, meu cérebro saturado e meu corpo ofegante, no penúltimo banco da última fileira do ônibus eu tentava me manter acordado com um jogo de Sudoku. Atrasado, Deus decidiu entregar a mim o presente de aniversário mais de um mês depois, talvez ele o estivesse embalando. A moça atravessou o veículo até mim, mas eu só percebi sua presença ao ouvir as palavras “com licença”. Ela escolheu sentar-se ao meu lado.
Não consegui esboçar uma palavra, as vezes olhava para ela, mas todas as vezes que ela retribuiu desviei o olhar instintivamente, mesmo que contra a minha própria vontade. Então a mais estranha das energias se tornou reconhecível. Era a mais pura energia negativa.
Duas crianças se aproximaram e uma delas, um garoto, sentou-se ao meu lado também, lado oposto ao da moça. Outra criança, uma menina aparentemente mais velha que ele o acompanhava, ao ver que perdera o lugar o bateu na cabeça e chamou-o por “maldito”.
Meu coração não suportaria, mas a moça me fitou com a mesma intensidade da primeira vez e sua doce voz disse: “Fazer o quê, né?”
Tudo pronto, aquilo me intimava a agir. Gostaria de dizer que eu apenas respondi um “Pois é” amistoso e o silêncio reinou pelo resto da viagem, a moça eu nunca mais vi e esse seria o final melancólico de uma estória quase romântica sobre solidão. Isso teria acontecido se a mais pura energia negativa não tivesse já me dominado.
“Sabe, eu invejo muito a liberdade das crianças. Ainda que algumas tenham medo do escuro, elas certamente não têm medo dos seus sentimentos, não como gente da nossa idade tem. Quando uma criança quer dizer olá, eu te amo ou eu te odeio, não há objeções. Além da capacidade de transformar um “Seu maldito” em um “eu te amo” com um único sorriso, como nós acabamos de presenciar”
O que ocorreu depois dessa frase não convém contar, pois pode ser encontrado em qualquer desses livros sobre sedução que jovens inseguros compram com o intuito de perder a virgindade antes de entrar na faculdade.
A moça terminou em minha casa, beijando meus lábios e adentrando cada vez mais afundo nos cômodos. Ela ia para onde eu a dirigia em uma valsa acompanhada por uma esgrima de línguas. Não havia célula de um que as mãos do outro não tivessem sido apresentadas, até que ela caiu em minha armadilha.
Abri o alçapão que dá acesso ao porão e a empurrei na escada de 25 degraus. Para minha sorte ela não gritara tanto, e uma vez lá embaixo vizinho algum seria capaz de ouvir. Segurei seus braços e os prendi com algemas na cabeceira da cama que esperava forrada e limpa. Amarrei sua cintura curvilínea com uma fria corrente de metal, mas deixei livres suas pernas.
“Não me leve a mal, mas eu gostei muito de você, e não gosto de desperdiçar segundas chances”.
Tapei sua boca com uma cueca minha. Embora ela ficasse linda com os óculos brancos que vestia até aquele momento, eu não queria que eles a machucassem, então guardei-os num armário junto a diversos instrumentos como furadeiras, ferros de passar, fios elétricos, baterias de alta voltagem,  uma caixa cheia de agulhas, garrafas de álcool e ácidos, as mais afiadas lâminas, as mais cegas e enferrujadas também.
“Sem espaço para cotesias aqui, moça!”. E então eu rasguei suas blusa e depois o sutiã. Embora não seja um expert no assunto, não tinha visto até aquele momento seio tão lindo, ou mamilo tão rígido.
Sim, essa é uma estória sobre prazer, sim, o meu prazer. O prazer que senti ao jogar as pernas dela sobre meus ombros e esbofetear o rosto lacrimejante da moça que já se tornara naquele momento a mulher de minha vida. Seria muito clichê contar sobre as chicotadas que eu acertei por todo o corpo dela só para vê-lo contorcer, das inúmeras vezes daquela semana que a penetrei, seja lá em qual buraco for, ou dos novos buracos que abri em sua pele.
Eu não a deixei passar fome, sede ou se quer mal cheirar. Durante todo o momento ela usou fraldas, que eu frequentemente troquei. A banhei com água para vê-la gemer ao molhar das feridas, e fiz questão de passar em sua boca o batom rosa que encontrei na bolsa.
Todos os dias eu a recitava uma poesia, Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes, Shakespeare, Drummond, Poetas desconhecidos, e principalmente meus próprios poemas, inclusive um que fiz especialmente para ela.
Mas uma hora eu não mais me contentava com seu cheiro ou o tato de seu corpo. Eu precisava de mais.




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