Acordei ás seis da manhã com meu despertador, levantei da
cama, tomei um banho, café-da-manhã é um mito, uma lenda, que há alguns anos eu
não experimento mais. Agora sou um velho solitário, no auge de meus 53 anos, não
trabalho mais, consegui me aposentar por invalidez. Na cozinha, enquanto bebia
um copo de água, olhei para o lado e vi um calendário eletrônico que exibia no
visor:
26/6/2056
Sai de meu apartamento pequeno. Se tivesse visto ele na
minha infância, não gostaria dele, mas nos dias atuais um lar com três cômodos é
um artigo de luxo. Desci o elevador, ao chegar no térreo o barulho era
ensurdecedor para um normal, mas já nos acostumamos. Veículos buzinando e
correndo, pessoas gritando. O número de pessoas era tão grande, que andar em
áreas urbanas era como se eu estivesse numa legião romana com milhões de
soldados em volta de mim. A minha cidade era a quinta menos populosa do estado,
e tinha 6 milhões de habitantes.
“Se não houvesse medicina, nada disso aconteceria” -gritava
um homem cabeludo na rua. Mendigos eram frequentes agora, em todas as cidades. Eu não mais me
comovia ao ver crianças mortas jogadas nas ruas pois não podiam ser enterradas,
e não falo, leitor, de uma criança de 10 anos de idade, e sim de uma criança de
10 meses, com o corpo jogado em frente ao meu prédio ,morto. Isso agora era
comum, as mães matavam os filhos para que não vivessem em nosso mundo, As
pessoas matavam umas as outras, se suicidavam, ninguém queria viver em um
planeta onde haviam 13 bilhões de pessoas.
Eu era sortudo em ter uma casa, uma aposentadoria, mas
minha existência era nula. Graças ás aposentadorias pagas aos mais velhos e aos
incapacitados, os governos de todo o mundo faliam todos os dias. Todos os
países estavam em um péssimo clima, a diplomacia não mais existia e uma guerra
podia acontecer á qualquer momento. Mas pela primeira vez, seria uma boa
guerra. As pessoas morreriam, e haveria pelo menos comida.
Quando criança, vi pessoas morrendo de problemas
cardíacos, morrendo engasgadas com vômito numa overdose. Nada mais existia. Não
depois que o doutor Hitchkockman criou um remédio que cura praticamente tudo. Um
xarope á base de carbono que cura doenças, cicatriza ferimentos em 6 horas e
melhora defeitos na visão. A expectativa de vida chegava facilmente á 110 anos.
Porém a natureza tentava se defender com violência. Fui várias vezes agredido, uma
das vezes cortaram meu pênis, e alguns de meus dedos. Quase morri, mas a única
coisa que me aconteceu é que agora sou manco, graças ao remédio de Hitchkockman
Por qual motivo fui atacado? Fome.
As pessoas que me atacaram, cozinharam meu pênis e meus
dedos do pé e comeram enquanto eu gemia de dor no chão quente de concreto.
O mundo agora, era uma versão em quatro dimensões do
inferno.
“Se os católicos tivessem usado camisinhas, vocês não
estariam aqui. Se a ONU não tivesse impedido a guerra com a China, vocês seriam
felizes com seus filhos, a Terra não estaria morrendo” -O mendigo continuava a
gritar
Logo três homens apareceram de um beco, o seguraram a
força e o carregaram para dentro de beco. Ninguém se quer olhou para ele, como
se nada existisse ali.
Continuei andando, até chegar em uma loja. Entrei, comprei
algo e voltei para a casa com uma caixa
de quase um metro nas mãos.
Entrei em casa, abri a porta, depositei a caixa perto de
uma janela, me apoiei nela e olhei as pessoas de cima do 5º andar. Via apenas cabeças passando
em baixo de mim como se fossem palitos de fósforos andantes agrupados na
caixinha. Sim, os fósforos ainda existiam, o que não existia era a madeira para
produzi-los. Tornaram-se um raro artigo de colecionador.
Para a
maioria delas, Deus não mais existia. Há alguns poucos anos, apenas uma
porcentagem de 6% da população ainda tinha alguma crença. Mas dos outros 94%,70
eram religiosos até 5 anos atrás.
Deus havia
prometido mas não seria de malgrado ele descumprir a promessa e mandar outro
dilúvio, esse seria um presente para a humanidade.
“Hoje,
aliviarei a dor dessas pessoas” -pensei.
Abri a
caixa em meus pés, tirei de lá os explosivos e comecei a arremessa-los o mais
longe que pude, a cada explosão, dez pessoas caíam no chão.
Os
governos tinham liberado o comércio de armas em quase todos os países, as
drogas não eram mais um tabu. Como se os líderes mundiais pedissem para
morrermos.
Após
atirar todas os explosivos da caixa, tirei do fundo dela, em uma área separada
por um isopor pintado de preto, um revólver.
Minha
garganta queimava enquanto a bala passava por ela, mas dentro de poucos
segundos o mundo começava a escurecer.
Sete
minutos, é o tempo que o cérebro permanece a funcionar após o coração terminar
de bater. Não conseguia me mover, mas senti o sangue quente escorrer para minha
boca como um chá com sal. Enquanto o mar de cadáveres do térreo escurecia em
minha visão, senti o vento bater por todo meu corpo, até me chocar com o chão, e
por mais sete minutos, a única coisa que senti foi dor, por todo o corpo.
Hitchkockman não mais me salvaria.
Acordei com o barulho do despertador de meu iphone 7.Por
enquanto eu era um jovem de 20 anos, mas o sonho era muito real, e aquele velho
com certeza era eu. Olhei pela janela do sétimo andar que morava, e em plenas
sete horas da manhã, havia muita gente na rua, mais gente do que havia ontem, a
população aumentava e o inferno estava começando.
Olhei para o criado-mudo branco ao lado da cama e vi em
cima dele,um livro com a capa cheia de imagens, uma foto de Florença (Itália),o
nome Dan Brown escrito no topo,a
palavra Inferno na parte debaixo. Era
o livro que roubei de meu falecido pai.
Foda!
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