1/06/2014

Inferno-Um futuro próximo

Acordei ás seis da manhã com meu despertador, levantei da cama, tomei um banho, café-da-manhã é um mito, uma lenda, que há alguns anos eu não experimento mais. Agora sou um velho solitário, no auge de meus 53 anos, não trabalho mais, consegui me aposentar por invalidez. Na cozinha, enquanto bebia um copo de água, olhei para o lado e vi um calendário eletrônico que exibia no visor:


26/6/2056
-Dia mundial da Carta das Nações Unidas



“Mais um dia em comemoração á algo que não mais faz sentido” -pensei.
Sai de meu apartamento pequeno. Se tivesse visto ele na minha infância, não gostaria dele, mas nos dias atuais um lar com três cômodos é um artigo de luxo. Desci o elevador, ao chegar no térreo o barulho era ensurdecedor para um normal, mas já nos acostumamos. Veículos buzinando e correndo, pessoas gritando. O número de pessoas era tão grande, que andar em áreas urbanas era como se eu estivesse numa legião romana com milhões de soldados em volta de mim. A minha cidade era a quinta menos populosa do estado, e tinha 6 milhões de habitantes.
“Se não houvesse medicina, nada disso aconteceria” -gritava um homem cabeludo na rua. Mendigos eram frequentes  agora, em todas as cidades. Eu não mais me comovia ao ver crianças mortas jogadas nas ruas pois não podiam ser enterradas, e não falo, leitor, de uma criança de 10 anos de idade, e sim de uma criança de 10 meses, com o corpo jogado em frente ao meu prédio ,morto. Isso agora era comum, as mães matavam os filhos para que não vivessem em nosso mundo, As pessoas matavam umas as outras, se suicidavam, ninguém queria viver em um planeta onde haviam 13 bilhões de pessoas.
Eu era sortudo em ter uma casa, uma aposentadoria, mas minha existência era nula. Graças ás aposentadorias pagas aos mais velhos e aos incapacitados, os governos de todo o mundo faliam todos os dias. Todos os países estavam em um péssimo clima, a diplomacia não mais existia e uma guerra podia acontecer á qualquer momento. Mas pela primeira vez, seria uma boa guerra. As pessoas morreriam, e haveria pelo menos comida.
Quando criança, vi pessoas morrendo de problemas cardíacos, morrendo engasgadas com vômito numa overdose. Nada mais existia. Não depois que o doutor Hitchkockman criou um remédio que cura praticamente tudo. Um xarope á base de carbono que cura doenças, cicatriza ferimentos em 6 horas e melhora defeitos na visão. A expectativa de vida chegava facilmente á 110 anos. Porém a natureza tentava se defender com violência. Fui várias vezes agredido, uma das vezes cortaram meu pênis, e alguns de meus dedos. Quase morri, mas a única coisa que me aconteceu é que agora sou manco, graças ao remédio de Hitchkockman
Por qual motivo fui atacado? Fome.
As pessoas que me atacaram, cozinharam meu pênis e meus dedos do pé e comeram enquanto eu gemia de dor no chão quente de concreto.
O mundo agora, era uma versão em quatro dimensões do inferno.
“Se os católicos tivessem usado camisinhas, vocês não estariam aqui. Se a ONU não tivesse impedido a guerra com a China, vocês seriam felizes com seus filhos, a Terra não estaria morrendo” -O mendigo continuava a gritar
Logo três homens apareceram de um beco, o seguraram a força e o carregaram para dentro de beco. Ninguém se quer olhou para ele, como se nada existisse ali.
Continuei andando, até chegar em uma loja. Entrei, comprei algo  e voltei para a casa com uma caixa de quase um metro nas mãos.
Entrei em casa, abri a porta, depositei a caixa perto de uma janela, me apoiei nela e olhei as pessoas de cima do 5º andar. Via apenas cabeças passando em baixo de mim como se fossem palitos de fósforos andantes agrupados na caixinha. Sim, os fósforos ainda existiam, o que não existia era a madeira para produzi-los. Tornaram-se um raro artigo de colecionador.
Para a maioria delas, Deus não mais existia. Há alguns poucos anos, apenas uma porcentagem de 6% da população ainda tinha alguma crença. Mas dos outros 94%,70 eram religiosos até 5 anos atrás.
Deus havia prometido mas não seria de malgrado ele descumprir a promessa e mandar outro dilúvio, esse seria um presente para a humanidade.
“Hoje, aliviarei a dor dessas pessoas” -pensei.
Abri a caixa em meus pés, tirei de lá os explosivos e comecei a arremessa-los o mais longe que pude, a cada explosão, dez pessoas caíam no chão.
Os governos tinham liberado o comércio de armas em quase todos os países, as drogas não eram mais um tabu. Como se os líderes mundiais pedissem para morrermos.
Após atirar todas os explosivos da caixa, tirei do fundo dela, em uma área separada por um isopor pintado de preto, um revólver.
Minha garganta queimava enquanto a bala passava por ela, mas dentro de poucos segundos o mundo começava a escurecer.
Sete minutos, é o tempo que o cérebro permanece a funcionar após o coração terminar de bater. Não conseguia me mover, mas senti o sangue quente escorrer para minha boca como um chá com sal. Enquanto o mar de cadáveres do térreo escurecia em minha visão, senti o vento bater por todo meu corpo, até me chocar com o chão, e por mais sete minutos, a única coisa que senti foi dor, por todo o corpo.
Hitchkockman não mais me salvaria.

Acordei com o barulho do despertador de meu iphone 7.Por enquanto eu era um jovem de 20 anos, mas o sonho era muito real, e aquele velho com certeza era eu. Olhei pela janela do sétimo andar que morava, e em plenas sete horas da manhã, havia muita gente na rua, mais gente do que havia ontem, a população aumentava e o inferno estava começando.

Olhei para o criado-mudo branco ao lado da cama e vi em cima dele,um livro com a capa cheia de imagens, uma foto de Florença (Itália),o nome Dan Brown escrito no topo,a palavra Inferno na parte debaixo. Era o livro que roubei de meu falecido pai.

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